EXPOSIÇÃO "ÁFRICA: OLHARES CURIOSOS", Hilton Silva

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

(Re) Lançamento do Livro Cartografia Social dos Afrorreligiosos em Belém do Pará - Religiões Afro Brasileiras e Ameríndias da Amazônia: afirmando identidades na diversidade.

  
As lideranças de Terreiros da “Nação Angola” convidam para o (Re) Lançamento do Livro Cartografia Social dos Afrorreligiosos em Belém do Pará - Religiões Afro Brasileiras e Ameríndias da Amazônia: afirmando identidades na diversidade

Dia 28 de Novembro (quarta-feira) às 17h, no Terreiro Mansu Nangetu – Trav. Pirajá, 1194 (entre Duque e 25) Belém-PA - Telefone: (91) 3226-7599 

Será servido um coquetel com pratos tradicionais da culinária de terreiros afro-amazônicos, como uma forma de resgate da identidade do paladar dos povos de terreiros.


As multiplas falas dos angoleiros.
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O evento vai reunir os terreiros de matriz Banto da zona metropolitana de Belém para a distribuição de um exemplar do livro para cada liderança ou membro de terreiro que participou da pesquisa que resultou na cartografia. Será também um momento de debate e reflexão sobre a preservação de tradições afro-amazônicas e resistência política e cultural na capital paraense.
Os organizadores convidaram as pessoas que participam do capítulo dos angoleiros para fazer um sarau de leitura, e então cada um vai escolher um trecho de seus depoimentos para uma leitura coletiva que tem a intenção de provocar o debate com os convidados que estiverem presentes. Isso tudo à partir da experiência relatada no livro pelos próprios povos tradicionais de terreiros.
Trechos de depoimentos das lideranças de terreiros de Angola.
Mametu Nangetu/ Oneide Monteiro Rodrigues “...e as pessoas que vem no terreiro estão acostumados com imagem como eles vêem na Umbanda e na Mina, e quando ele vem aqui e vê uma estátua mas que é de louvor a Oxum e não tem nada haver com o que ele conhece, ele estranha. Mas o povo ele é muito sincrético e ele gosta de ver um caboco, um santo Antônio, e acho que é por isso que as imagens estão nas casas dos terreiros,(...). Os terreiros não sobrevivem sem os clientes, e nem sem os filhos da casa, então tem que ter um chamamento, uma atração, e como atrair essas pessoas para dentro de um terreiro?! Uma casa de culto Angola é isso aqui: tem os tambores e tem os Ngunzos, né?! Tem os nossos Ngunzos-Ngunzos! O que é os nossos fundamentos? A nossa segurança é isso! E nas outras casas de nação isso não tem, não tem Ntoto e nem Cumeeira, que são o nosso Ngunzo. É isso, é a natureza e é por isso que nós não cultuamos nada de gesso, no nosso Ngunzo ou é pedra, ou é ferro, ou é do mar, ou é da terra. A nossa força está na natureza, entendeu?!”
Mam'etu Muagilê/ Beth de Bamburucema “...uma senhora chegou comigo eu tava na rua de casa, e disse “mãe Beth eu queria que a senhora fizesse um banho pra mim”, ela é evangélica, “mãe Beth eu queria que a senhora fizesse um banho pra mim construir a minha casa que tão de olho gordo, tão fazendo macumba tão de olho gordo em cima de mim”, eu fiquei olhando pra ela e disse: tu vai fazer a tua casa não vai ser preciso banho nenhum, nem trabalho nenhum, eu disse: tu vai seguir o que eu vou te dizer? Ela disse: sim, eu disse então ainda bem que tu vieste me procurar no mês de fevereiro, porque tem o ano todo pra ti trabalhar e fazer a tua casa e passar ano na tua casa sem ser preciso eu te dar um banho, como tu disseste, um banho de macumba, que aqui em casa é banho de Axé, ai tu vai levar esse tempo pra se organizar, tu vai pagar tudo o que tu deve até o mês de agosto, quando for setembro tu não és católica mas tu vais comprar um sapato, uma roupa talvez os teus filhos queiram é possível ai tu guarda pra final do ano e a partir desse momento em diante tu vai passar a reservar o teu dinheiro para fazer a tua casa, te organiza. Ela organizou do jeito que eu disse, quando tu for receber o 13º tu não traz ai pra tua casa, tu já vai com o orçamento na estância pega um profissional faz um orçamento de tudo o que tu vai gastar, não te esquece da mão de obra, do material e tu compra o material pra fazer a tua casa, vou te mostrar que tu vai passar o ano na tua casa, ela seguiu tudo aquilo que eu falei pra ela. Quando chegou no final do ano, estava numa casa de madeira macheada, toda bonitinha, passou ano na casa dela não foi preciso banho, não foi preciso ela ir até a minha casa, não foi preciso ela sair da religião dela pra vim pra minha casa, nem mentir pra dizer que ela estava precisando de banho uma coisa assim, nos damos uma palavra amiga isso é um tipo de acolhimento, você aconselhar, escutar a pessoa e orientar essas pessoa a fazer coisas que vai dar certo, sem ser preciso você envolver, botar a você vai jogar búzio pra mim ou uma carta pra eu poder ver se tu vai fazer uma carta não, só pra mim te dar um banho e te cobrar tanto. Eu acho que a palavra amiga assim um conselho, uma orientação sabe que muitas vezes vale tanto se você for fazer um trabalho.”
Tatetu Kalengunzu/ José de Arimatéia “Eu era da casa do Edilson, (...) o Painho, que era de Lembá também, e eu era da Mina na casa dele -, entrei na casa dele em 89 e ai em 95 eu recolhi com pai Edson, que tinha recolhido e iniciado ele, e ai com 6 anos que eu estava lá eu recolhi também, ai foi que eu entrei no Angola - iniciei em 95 e há 5 anos atrás eu recebi o meu Kijingo, né!? já com 10 anos de iniciado eu recebi Kijingo , e eu estou hoje com 15 anos de feitura na Angola, e não troco também a minha nação por nada, adoro a Angola e agora mais ainda, e eu garanto a vocês que vou ter mais força ainda pra buscar mais conhecimentos, sabe!”
Táta Tauadirá/ Edson Santana “Tem todas essas histórias da gente começar a obrigação dia de sexta-feira de madrugada, e terminava de manhã: 6h da manhã, quando eu voltava para o trabalho E aí chegou um tempo que eu disse eu não quero mais e acabou, eu não quero mais essa vida de estar trabalhando e fazendo obrigação. (...) Aí eu decidi fazer por ele isso, no caso o seu Walter fazia tudo pelo santo.(...) e aí muitas das coisas começaram a se definir, uma das coisas foi a minha profissão, hoje em dia sou professor de música num conservatório (...). É na música, no conservatório e outras coisas mais, que eu estudei pela vida. Eu disse assim: caramba se eu tivesse visto isso há mais tempo, eu já tinha feito dessa maneira... mas, o que eu vou querer dizer é que é o próprio orixá que nos encaminha! “
Táta Kinamboji/ Arthur Leandro “Mas enfim, então eles nos dão esse poder maléfico e nos atacam nas emissoras de rádio e de televisão das quais eles são donos, e ai a pergunta: como visibilizar? A pergunta deveria ser como resistir! Nós sofremos intolerância como todo mundo que tá sentado nesta roda, nós sofremos intolerância, nós sofremos racismo institucional (…) Porque para a justiça brasileira nunca é preconceito contra nós! A Constituição nos dá o direito de culto, o direito de consciência religiosa mas o Estado nos reprime, reprime as nossas práticas religiosas e quando a gente reclama alegam ignorância e o motivo é que eles “não sabiam como acontece o culto afro-religioso”. Eles nunca assumem a responsabilidade sobre o ato deles.”
Uma cartografia para a visibilidade do nosso povo!
“A proposta do projeto é a visibilidade para as comunidades tradicionais, então a gente vem desde maio [de 2010] nesse projeto: mapeando, buscando visibilizar nossa cultura tradicional.” - Mametu Nangetu apresentando o capítulo da Nação Angola.
A "Cartografia Social dos Afrorreligiosos em Belém do Pará - religiões afro-brasileiras e ameríndias da Amazônia: afirmando identidades na diversidade" foi lançado durante a XVI Feira Panamazônica do Livro, a mesa de autógrafos contou com a presença dos pesquisadores.
Este projeto foi financiado pelo Programa Nacional de Patrimônio Imaterial do IPHAN, e contou com a participação de pesquisadores das mais variadas formações acadêmicas e vinculados a diferentes universidades, e a categoria “pesquisadores” contemplou tanto formações acadêmicas quanto afrorreligiosos com suas formações, saberes e conhecimentos tradicionais. O saber acadêmico e o saber tradicional coordenando a pesquisa juntos.
Como produto deste trabalho temos um mapa dos afro-religiosos em Belém e este livro, que foi construído a partir de entrevistas em encontros e oficinas ocorridas entre abril de 2010 e fins de 2011 com o objetivo de coletar informaçnoes para produzir o mapa e o livro, geo-referenciando informações que revelam a coletividade e o dinamismo das identidades das nações afrorreligiosas e da Pajelança em Belém do Pará.
A pesquisadora Camila do Valle salientou a participação de lideranças de cada uma das nações representadas na cartogarfia: Angola, Jeje Savalu, Ketu, Mina Jeje Nagô, Umbanda e Pajelança, atribuindo à essas lideranças o papel fundamental de decisão sobre as informações reunidas e os resultados da pesquisa. explicou que o livro contém “os afetos, conflitos, modos de convivência e formas de ocupação e reprodução, no território, dessas identidades coletivas centradas na religiosidade”, e que o mapa tem a localização de terreiros e informações importantes para a compreensão das prátcias das religiões afro-amazônicas presentes na zona metropolitana de Belém como o levantamento detalhado dos espaços sagrados - templos, casas, terreiros, tendas e searas, além da identificação dos locais de coleta de folhas nas matas e de compra de ervas, locais onde a realização de ritos religiosos são tensas e até as situações de conflitos e intolerância religiosa. Camila diz ainda que “podemos dizer que o mapa, entendido como um mapa narrativo, tem aqui, neste livro, espaço para expandir seus elementos de narratividade”. E que ambos, livro e mapa, “são documentos que escolhem, portanto, o critério da narratividade e, portanto, do dinamismo da ação para revelar a construção de sua identidade cultural.” Esta identidade cultural, entendida como patrimônio cultural imaterial, ultrapassa as fronteiras dos municípios diretamente envolvidos na pesquisa, já que as narrativas remetem a outros espaços geográficos e a outros tempos: formas não redutoras de pensar os pertencimentos e os processos de institucionalidade.
Mametu Nangetu disse que o trabalho com a Nação Angola foi gratificante porque lhe deu a oportunidade de visitar os terreiros e conhecer mais profundamente as condições de vida de seu povo. Lembrou a distinção com que foi recebida em cada casa de culto e reafirmou a importância de sabermos quem nós somos e onde estamos, e fez referência à necessidade de afirmação da identidade afro-religiosa para a visibilidade dos terreiros e para o combate à intolerância religiosa.
A luta contra o racismo e formas correlatas de preconceito e discriminação.
“A intolerância religiosa é o novo racismo e muitas comunidades que enfrentaram discriminações raciais durante décadas são agora perseguidas por causa de sua religião”. (Mark Lattimer, diretor da MRG - Minority Right Groups International )
A proclamção da república, no século XIX, separou o estado da religião católica e já na primeira constituição brasileira constava o artigo que garantia a liberdade de culto, mas ao contrário do que se pensa, o que aconteceu com as religiões afro-brasileiras foi o acirramento da repressão e a tentativa de eliminar essas práticas do território brasileiro.
É nesse contexto que os povos e comunidades tradicionais de terreiros das sete nações de origem afro-brasileira que atuam na Região Metropolitana de Belém travam uma luta histórica contra o preconceito e a discriminação, inúmeros são os casos de racismo pela intolerância religiosa que ocorrem cotidianamente na capital paraense. Atitudes preconceituosas são histórias sem fim para quem segue religiões afrodescendente. Luiz Augusto Loureiro Cunha (Pai Tayandô/ Acaoã-Unimaz) recorda dos períodos difíceis das comunidades tradicionais de terreiro no Pará: 1908, quando mães e pais de santo eram proibidos de bater tambor; na década de 30 (1930), lembrada como a maior repressão contra os praticantes das religiões remanescentes da África; e o período da ditadura militar (1964 a 1985), quando foram registradas inúmeras prisões sob alegações diversas. "No dia 18 de março de 1908, a mãe de santo “Doca” foi presa porque batia tambor para Dom José. Ela chegou a ser levada para a delegacia, ficou na cela e depois foi liberada. Mesmo assim, ela voltou para o terreiro e continuou a bater tambor para os seus deuses", conta. Por causa desse gesto de coragem, o dia 18 de Março é lembrado pelos povos e comunidades tradicionais como o Dia Municipal e Estadual da Umbanda e dos Cultos Afros-brasileiros. Noche Navakoly (Mãe Doca) é o símbolo da resistência dos Povos de Tereiros de Belém. Mãe Doca era natural de Codó/MA, filha de santo do africano Manoel-Teu-Santo, seu Vodum é Nana e Toy Jotin, mas também recebia Seu Inambé. Ela foi presa várias vezes e ainda assim não desititu da luta pelo direito à consciencia relgiosa.
Para Mametu Nangetu a mídia fortalece o preconceito existente contra as religiões afro-brasileiras. "Não querem nos respeitar como povos e comunidades tradicionais de terreiro e a mídia reforça esta intolerância" e ao contrário do que se pensa, enfatiza a sacerdotisa, "nós não adoramos o satanás, mas os orixás, que são a natureza". Ela conta que o preconceito é tão grande, ao ponto de quando ela vai trabahar na coleta de ervas na estrada da Ceasa sofre discriminação. Os maiores autores são os vigilantes de prédios públicos, pessoas humildes carregadas de uma carga cultural preconceituosa. "Nunca me expulsaram do local, mas já disseram que eu estaria sendo convidada a me retirar das proximidades do prédio, onde coletava as ervas", relata.
Conhecimento é arma para defesa contra perseguição e promoção do respeito à diversidade religiosa.
A publicação dos resultados desse trabalho revela as características próprias de cada nação, seus locais, formas de cultos e deuses. O mapa aponta, por exemplo, que a nação Umbanda chegou ao Pará por volta da década de 30, trazida pela "Mãe" Maria Aguiar. A nação foi resultado do cruzamento de linhas (sincretismo interno) que acabaram formando uma religião com suas próprias características, agregando-se Pajés e Caruanas, Encantados e Deuses para resultar em uma Umbanda amazônida. Durante uma oficina de Cartografia, realizada em junho de 2010, Mãe Vanda desabafou lembrando que "a Umbanda resiste ao preconceito e reafirma a sua tradição através desse sincretismo"
"A Cartografia Social dos Afrorreligiosos em Belém é o que o governo negou aos afrorreligiosos, que representam uma parcela da população em cerca de 10% e, no entanto, não se estima no censo anual feito pelos centros de pesquisa populacional", afirma Táta Kinamboji, um dos executores do mapa que é sacerdote e professor universiteario, Ele conta, por exemplo, que por não haver educadores afro-religiosos nas instituições de ensino, seja público ou privado, o estigma de que os praticantes das religiões de origem africana continua sendo visto como adoradores de deuses satânicos. Na opinião dele, como educador, somente a partir do momento em que a religião for discutida sem preconceito nas escolas, o fato poderá mudar culturalmente, garantindo assim, o direito das pessoas se manifestarem sem medo de serem identificadas.
Táta Kinamboji ressalta que as comunidades tradicionais de terreiros tem produzido material que pode sim ser utilizado pelos professore para a difiusão de sconhecimentos sobre a cosmologia religiosa afro-amazônica, destaca os filmes de Luiz Arnaldo Campos, especialmene o "Chama Verequete" (dirigido em parceria com Rogeerio Parreira) e o "A descoberta da Amazônia pelos Turcos Encantados", que ganhou o DOCTV-PA de 2005, e a fascículo 3 da cartilha do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, Movimentos Sociais e Conflitos nas cidades da Amazônia, e argumenta que se as escolas ainda não utilizam esses documentos como material didático é porque a Lei não consegue vencer o preconceito das pessoas que deveriam aplica-la.
Mas para Mametu Nangetu, o que importa saber é se os professores das escolas vão mesmo utilizar os documentos da religiosidade afro-amazônicas para difundir o conhecimento sobre os povos de terreiros, ou se o preconceito e a intolerância religiosa ainda vai tentar confinar estas publicações em prateleiras e arquivos escondidos nos fundos das bibliotecas...

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