As lideranças de Terreiros da “Nação Angola” convidam para o (Re) Lançamento do Livro Cartografia Social dos Afrorreligiosos em Belém do Pará - Religiões Afro Brasileiras e Ameríndias da Amazônia: afirmando identidades na diversidade
Dia 28 de Novembro (quarta-feira) às 17h, no Terreiro Mansu Nangetu – Trav. Pirajá, 1194 (entre Duque e 25) Belém-PA - Telefone: (91) 3226-7599
Será servido um coquetel com pratos tradicionais da culinária de terreiros afro-amazônicos, como uma forma de resgate da identidade do paladar dos povos de terreiros.
As multiplas falas dos angoleiros.
.
O evento vai reunir os terreiros de
matriz Banto da zona metropolitana de Belém para a distribuição de
um exemplar do livro para cada liderança ou membro de terreiro que
participou da pesquisa que resultou na cartografia. Será também um
momento de debate e reflexão sobre a preservação de tradições
afro-amazônicas e resistência política e cultural na capital
paraense.
Os organizadores convidaram as pessoas que participam
do capítulo dos angoleiros para fazer um sarau de leitura, e então
cada um vai escolher um trecho de seus depoimentos para uma leitura
coletiva que tem a intenção de provocar o debate com os convidados
que estiverem presentes. Isso tudo à partir da experiência relatada
no livro pelos próprios povos tradicionais de terreiros.
Trechos de depoimentos das
lideranças de terreiros de Angola.
Mametu Nangetu/ Oneide Monteiro
Rodrigues “...e as pessoas que vem no terreiro estão
acostumados com imagem como eles vêem na Umbanda e na Mina, e quando
ele vem aqui e vê uma estátua mas que é de louvor a Oxum e não
tem nada haver com o que ele conhece, ele estranha. Mas o povo ele é
muito sincrético e ele gosta de ver um caboco, um santo Antônio, e
acho que é por isso que as imagens estão nas casas dos
terreiros,(...). Os terreiros não sobrevivem sem os clientes, e nem
sem os filhos da casa, então tem que ter um chamamento, uma atração,
e como atrair essas pessoas para dentro de um terreiro?! Uma casa de
culto Angola é isso aqui: tem os tambores e tem os Ngunzos, né?!
Tem os nossos Ngunzos-Ngunzos! O que é os nossos fundamentos? A
nossa segurança é isso! E nas outras casas de nação isso não
tem, não tem Ntoto e nem Cumeeira, que são o nosso Ngunzo. É isso,
é a natureza e é por isso que nós não cultuamos nada de gesso, no
nosso Ngunzo ou é pedra, ou é ferro, ou é do mar, ou é da terra.
A nossa força está na natureza, entendeu?!”
Mam'etu Muagilê/ Beth de
Bamburucema “...uma senhora chegou comigo eu tava na rua de
casa, e disse “mãe Beth eu queria que a senhora fizesse um banho
pra mim”, ela é evangélica, “mãe Beth eu queria que a senhora
fizesse um banho pra mim construir a minha casa que tão de olho
gordo, tão fazendo macumba tão de olho gordo em cima de mim”, eu
fiquei olhando pra ela e disse: tu vai fazer a tua casa não vai ser
preciso banho nenhum, nem trabalho nenhum, eu disse: tu vai seguir o
que eu vou te dizer? Ela disse: sim, eu disse então ainda bem que tu
vieste me procurar no mês de fevereiro, porque tem o ano todo pra ti
trabalhar e fazer a tua casa e passar ano na tua casa sem ser preciso
eu te dar um banho, como tu disseste, um banho de macumba, que aqui
em casa é banho de Axé, ai tu vai levar esse tempo pra se
organizar, tu vai pagar tudo o que tu deve até o mês de agosto,
quando for setembro tu não és católica mas tu vais comprar um
sapato, uma roupa talvez os teus filhos queiram é possível ai tu
guarda pra final do ano e a partir desse momento em diante tu vai
passar a reservar o teu dinheiro para fazer a tua casa, te organiza.
Ela organizou do jeito que eu disse, quando tu for receber o 13º tu
não traz ai pra tua casa, tu já vai com o orçamento na estância
pega um profissional faz um orçamento de tudo o que tu vai gastar,
não te esquece da mão de obra, do material e tu compra o material
pra fazer a tua casa, vou te mostrar que tu vai passar o ano na tua
casa, ela seguiu tudo aquilo que eu falei pra ela. Quando chegou no
final do ano, estava numa casa de madeira macheada, toda bonitinha,
passou ano na casa dela não foi preciso banho, não foi preciso ela
ir até a minha casa, não foi preciso ela sair da religião dela pra
vim pra minha casa, nem mentir pra dizer que ela estava precisando de
banho uma coisa assim, nos damos uma palavra amiga isso é um tipo de
acolhimento, você aconselhar, escutar a pessoa e orientar essas
pessoa a fazer coisas que vai dar certo, sem ser preciso você
envolver, botar a você vai jogar búzio pra mim ou uma carta pra eu
poder ver se tu vai fazer uma carta não, só pra mim te dar um banho
e te cobrar tanto. Eu acho que a palavra amiga assim um conselho, uma
orientação sabe que muitas vezes vale tanto se você for fazer um
trabalho.”
Tatetu Kalengunzu/ José de
Arimatéia “Eu era da casa do Edilson, (...) o Painho, que era
de Lembá também, e eu era da Mina na casa dele -, entrei na casa
dele em 89 e ai em 95 eu recolhi com pai Edson, que tinha recolhido e
iniciado ele, e ai com 6 anos que eu estava lá eu recolhi também,
ai foi que eu entrei no Angola - iniciei em 95 e há 5 anos atrás eu
recebi o meu Kijingo, né!? já com 10 anos de iniciado eu recebi
Kijingo , e eu estou hoje com 15 anos de feitura na Angola, e não
troco também a minha nação por nada, adoro a Angola e agora mais
ainda, e eu garanto a vocês que vou ter mais força ainda pra buscar
mais conhecimentos, sabe!”
Táta Tauadirá/ Edson Santana
“Tem todas essas histórias da gente começar a obrigação dia de
sexta-feira de madrugada, e terminava de manhã: 6h da manhã, quando
eu voltava para o trabalho E aí chegou um tempo que eu disse eu não
quero mais e acabou, eu não quero mais essa vida de estar
trabalhando e fazendo obrigação. (...) Aí eu decidi fazer por ele
isso, no caso o seu Walter fazia tudo pelo santo.(...) e aí muitas
das coisas começaram a se definir, uma das coisas foi a minha
profissão, hoje em dia sou professor de música num conservatório
(...). É na música, no conservatório e outras coisas mais, que eu
estudei pela vida. Eu disse assim: caramba se eu tivesse visto isso
há mais tempo, eu já tinha feito dessa maneira... mas, o que eu vou
querer dizer é que é o próprio orixá que nos encaminha! “
Táta Kinamboji/ Arthur Leandro
“Mas enfim, então eles nos dão esse poder maléfico e nos atacam
nas emissoras de rádio e de televisão das quais eles são donos, e
ai a pergunta: como visibilizar? A pergunta deveria ser como
resistir! Nós sofremos intolerância como todo mundo que tá sentado
nesta roda, nós sofremos intolerância, nós sofremos racismo
institucional (…) Porque para a justiça brasileira nunca é
preconceito contra nós! A Constituição nos dá o direito de culto,
o direito de consciência religiosa mas o Estado nos reprime, reprime
as nossas práticas religiosas e quando a gente reclama alegam
ignorância e o motivo é que eles “não sabiam como acontece o
culto afro-religioso”. Eles nunca assumem a responsabilidade sobre
o ato deles.”
Uma cartografia para a
visibilidade do nosso povo!
“A proposta do projeto é a
visibilidade para as comunidades tradicionais, então a gente vem
desde maio [de 2010] nesse projeto: mapeando, buscando visibilizar
nossa cultura tradicional.” - Mametu Nangetu apresentando o
capítulo da Nação Angola.
A "Cartografia Social dos
Afrorreligiosos em Belém do Pará - religiões afro-brasileiras e
ameríndias da Amazônia: afirmando identidades na diversidade"
foi lançado durante a XVI Feira Panamazônica do Livro, a mesa de
autógrafos contou com a presença dos pesquisadores.
Este projeto foi financiado pelo
Programa Nacional de Patrimônio Imaterial do IPHAN, e contou com a
participação de pesquisadores das mais variadas formações
acadêmicas e vinculados a diferentes universidades, e a categoria
“pesquisadores” contemplou tanto formações acadêmicas quanto
afrorreligiosos com suas formações, saberes e conhecimentos
tradicionais. O saber acadêmico e o saber tradicional coordenando a
pesquisa juntos.
Como produto deste trabalho temos um
mapa dos afro-religiosos em Belém e este livro, que foi construído
a partir de entrevistas em encontros e oficinas ocorridas entre abril
de 2010 e fins de 2011 com o objetivo de coletar informaçnoes para
produzir o mapa e o livro, geo-referenciando informações que
revelam a coletividade e o dinamismo das identidades das nações
afrorreligiosas e da Pajelança em Belém do Pará.
A pesquisadora Camila do Valle
salientou a participação de lideranças de cada uma das nações
representadas na cartogarfia: Angola, Jeje Savalu, Ketu, Mina Jeje
Nagô, Umbanda e Pajelança, atribuindo à essas lideranças o papel
fundamental de decisão sobre as informações reunidas e os
resultados da pesquisa. explicou que o livro contém “os afetos,
conflitos, modos de convivência e formas de ocupação e reprodução,
no território, dessas identidades coletivas centradas na
religiosidade”, e que o mapa tem a localização de terreiros e
informações importantes para a compreensão das prátcias das
religiões afro-amazônicas presentes na zona metropolitana de Belém
como o levantamento detalhado dos espaços sagrados - templos, casas,
terreiros, tendas e searas, além da identificação dos locais de
coleta de folhas nas matas e de compra de ervas, locais onde a
realização de ritos religiosos são tensas e até as situações de
conflitos e intolerância religiosa. Camila diz ainda que “podemos
dizer que o mapa, entendido como um mapa narrativo, tem aqui, neste
livro, espaço para expandir seus elementos de narratividade”. E
que ambos, livro e mapa, “são documentos que escolhem, portanto, o
critério da narratividade e, portanto, do dinamismo da ação para
revelar a construção de sua identidade cultural.” Esta identidade
cultural, entendida como patrimônio cultural imaterial, ultrapassa
as fronteiras dos municípios diretamente envolvidos na pesquisa, já
que as narrativas remetem a outros espaços geográficos e a outros
tempos: formas não redutoras de pensar os pertencimentos e os
processos de institucionalidade.
Mametu Nangetu disse que o trabalho com
a Nação Angola foi gratificante porque lhe deu a oportunidade de
visitar os terreiros e conhecer mais profundamente as condições de
vida de seu povo. Lembrou a distinção com que foi recebida em cada
casa de culto e reafirmou a importância de sabermos quem nós somos
e onde estamos, e fez referência à necessidade de afirmação da
identidade afro-religiosa para a visibilidade dos terreiros e para o
combate à intolerância religiosa.
A
luta contra o racismo e formas correlatas de preconceito e
discriminação.
“A intolerância religiosa é o novo
racismo e muitas comunidades que enfrentaram discriminações raciais
durante décadas são agora perseguidas por causa de sua religião”.
(Mark Lattimer, diretor da MRG - Minority Right Groups International
)
A proclamção da república, no século
XIX, separou o estado da religião católica e já na primeira
constituição brasileira constava o artigo que garantia a liberdade
de culto, mas ao contrário do que se pensa, o que aconteceu com as
religiões afro-brasileiras foi o acirramento da repressão e a
tentativa de eliminar essas práticas do território brasileiro.
É nesse contexto que os povos e
comunidades tradicionais de terreiros das sete nações de origem
afro-brasileira que atuam na Região Metropolitana de Belém travam
uma luta histórica contra o preconceito e a discriminação,
inúmeros são os casos de racismo pela intolerância religiosa que
ocorrem cotidianamente na capital paraense. Atitudes preconceituosas
são histórias sem fim para quem segue religiões afrodescendente.
Luiz Augusto Loureiro Cunha (Pai Tayandô/ Acaoã-Unimaz) recorda dos
períodos difíceis das comunidades tradicionais de terreiro no Pará:
1908, quando mães e pais de santo eram proibidos de bater tambor; na
década de 30 (1930), lembrada como a maior repressão contra os
praticantes das religiões remanescentes da África; e o período da
ditadura militar (1964 a 1985), quando foram registradas inúmeras
prisões sob alegações diversas. "No dia 18 de março de 1908,
a mãe de santo “Doca” foi presa porque batia tambor para Dom
José. Ela chegou a ser levada para a delegacia, ficou na cela e
depois foi liberada. Mesmo assim, ela voltou para o terreiro e
continuou a bater tambor para os seus deuses", conta. Por causa
desse gesto de coragem, o dia 18 de Março é lembrado pelos povos e
comunidades tradicionais como o Dia Municipal e Estadual da Umbanda e
dos Cultos Afros-brasileiros. Noche Navakoly (Mãe Doca) é o símbolo
da resistência dos Povos de Tereiros de Belém. Mãe Doca era
natural de Codó/MA, filha de santo do africano Manoel-Teu-Santo, seu
Vodum é Nana e Toy Jotin, mas também recebia Seu Inambé. Ela foi
presa várias vezes e ainda assim não desititu da luta pelo direito
à consciencia relgiosa.
Para Mametu Nangetu a mídia fortalece
o preconceito existente contra as religiões afro-brasileiras. "Não
querem nos respeitar como povos e comunidades tradicionais de
terreiro e a mídia reforça esta intolerância" e ao contrário
do que se pensa, enfatiza a sacerdotisa, "nós não adoramos o
satanás, mas os orixás, que são a natureza". Ela conta que o
preconceito é tão grande, ao ponto de quando ela vai trabahar na
coleta de ervas na estrada da Ceasa sofre discriminação. Os maiores
autores são os vigilantes de prédios públicos, pessoas humildes
carregadas de uma carga cultural preconceituosa. "Nunca me
expulsaram do local, mas já disseram que eu estaria sendo convidada
a me retirar das proximidades do prédio, onde coletava as ervas",
relata.
Conhecimento
é arma para defesa contra perseguição e promoção do respeito à
diversidade religiosa.
A publicação dos resultados desse
trabalho revela as características próprias de cada nação, seus
locais, formas de cultos e deuses. O mapa aponta, por exemplo, que a
nação Umbanda chegou ao Pará por volta da década de 30, trazida
pela "Mãe" Maria Aguiar. A nação foi resultado do
cruzamento de linhas (sincretismo interno) que acabaram formando uma
religião com suas próprias características, agregando-se Pajés e
Caruanas, Encantados e Deuses para resultar em uma Umbanda amazônida.
Durante uma oficina de Cartografia, realizada em junho de 2010, Mãe
Vanda desabafou lembrando que "a Umbanda resiste ao preconceito
e reafirma a sua tradição através desse sincretismo"
"A Cartografia Social dos
Afrorreligiosos em Belém é o que o governo negou aos
afrorreligiosos, que representam uma parcela da população em cerca
de 10% e, no entanto, não se estima no censo anual feito pelos
centros de pesquisa populacional", afirma Táta Kinamboji, um
dos executores do mapa que é sacerdote e professor universiteario,
Ele conta, por exemplo, que por não haver educadores afro-religiosos
nas instituições de ensino, seja público ou privado, o estigma de
que os praticantes das religiões de origem africana continua sendo
visto como adoradores de deuses satânicos. Na opinião dele, como
educador, somente a partir do momento em que a religião for
discutida sem preconceito nas escolas, o fato poderá mudar
culturalmente, garantindo assim, o direito das pessoas se
manifestarem sem medo de serem identificadas.
Táta Kinamboji ressalta que as
comunidades tradicionais de terreiros tem produzido material que pode
sim ser utilizado pelos professore para a difiusão de sconhecimentos
sobre a cosmologia religiosa afro-amazônica, destaca os filmes de
Luiz Arnaldo Campos, especialmene o "Chama Verequete"
(dirigido em parceria com Rogeerio Parreira) e o "A descoberta
da Amazônia pelos Turcos Encantados", que ganhou o DOCTV-PA de
2005, e a fascículo 3 da cartilha do Projeto Nova Cartografia Social
da Amazônia, Movimentos Sociais e Conflitos nas cidades da Amazônia,
e argumenta que se as escolas ainda não utilizam esses documentos
como material didático é porque a Lei não consegue vencer o
preconceito das pessoas que deveriam aplica-la.
Mas para Mametu Nangetu, o que importa
saber é se os professores das escolas vão mesmo utilizar os
documentos da religiosidade afro-amazônicas para difundir o
conhecimento sobre os povos de terreiros, ou se o preconceito e a
intolerância religiosa ainda vai tentar confinar estas publicações
em prateleiras e arquivos escondidos nos fundos das bibliotecas...
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