Por Daiane Souza
Marcado por um cenário de conflitos e
protestos pelo fim da escravidão, o século XIX no Brasil foi o único do
período colonial a ter um censo completo da população de escravizados.
Os dados deste censo foram disponibilizados pelo Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica da Universidade Federal de Minas Gerais (NPHED/UFMG) e pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado (Fapemig).
O recenseamento é considerado bastante
completo por trazer o único registro oficial da população escrava
nacional, os imigrantes separados por nacionalidade e fazer, ainda, um
inventário inédito das etnias indígenas. De acordo com o levantamento,
58% dos residentes no país se declaravam pardos ou pretos, contra 38%
que se diziam brancos. Os estrangeiros somavam 3,8%, entre portugueses,
alemães, africanos livres e franceses. Os indígenas perfaziam 4% do
total dos habitantes.
Além da contagem da população, os
documentos apresentam informações específicas sobre pessoas com
deficiência, acesso à educação e profissões exercidas, entre outras. Por
exemplo, a profissão de lavrador era a que tinha o maior número de
trabalhadores na época, seguida por serviços domésticos. Entre as
profissões liberais, a de artista tinha maior representatividade,
inclusive entre a população escrava.
Censo de 1872 – De
acordo com o demógrafo Mario Rodart, coordenador do Núcleo de Pesquisa
Histórica Econômica e Demográfica da UFMG, um dos responsáveis pela
digitalização do Censo, àquela época o país já pensava estratégias para
acabar com a escravidão e passava por um processo racista de
branqueamento da população. “O foco das políticas públicas era todo
nesse sentido. Era necessário mapear quem estava vindo da Europa”,
disse.
O coordenador conta que a realização de
um ambicioso levantamento populacional num país de dimensões
continentais e dificuldades de transporte foi uma grande empreitada
daquele século. “Questionários foram enviados para 1.440 paróquias de
todo o país. Em cada uma delas foi criada uma comissão censitária,
responsável por levar uma cópia do questionário a cada casa”, explicou
Rodart.
As informações diziam respeito a sexo,
raça, estado civil, religião, alfabetização, condição (escravo ou
livre), nacionalidade e profissão. O questionário era preenchido por
cada chefe de família e devolvido à comissão competente. Quem não o
respondesse era penalizado com multa. Os resultados eram encaminhados
para a capital onde eram contabilizados manualmente para compor o censo
nacional.
São essas as informações hoje
disponíveis por meio da internet. A digitalização e correção dos dados
(erros de soma e agregação) começaram há 30 anos no Centro de
Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG) e só agora foram
concluídos. A partir de um programa é possível utilizar o censo de 1872
na forma de base de dados, acessando tabelas configuradas na época e a
combinação de elementos de acordo com o objetivo da busca. Para acessar clique aqui.
Racismo – Em resultados
detalhados, o Censo de 1872 aponta o total da população de estrangeiros
no Brasil: 382.132. Separa os brancos por origem. São 125.876
portugueses, 40.056 alemães e 8.222 italianos, entre outras
nacionalidades. Os negros eram considerados todos do mesmo grupo:
africanos. Segundo o documento eram 176.057 africanos vivendo no país,
porém, divididos apenas entre escravos (138.358) e alforriados (37.699).
A partir das informações é notável
ainda, o início da política de “embranquecimento” do povo, com a chegada
dos primeiros grupos de imigrantes europeus. “A solução para o que era
visto como um problema (a população negra e indígena) era o projeto de
embranquecimento”, afirma José Luis Petruccelli, pesquisador do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Em 350 anos de
tráfico negreiro, entraram no país cerca de 4 milhões de africanos.
Entre 1870 e 1930 vieram morar aqui praticamente 4 milhões de imigrantes
europeus”, compara.
Abolicionismo – Quando o
Censo foi feito, acabava de entrar em vigor no Brasil a Lei do Ventre
Livre (28 de setembro de 1871) que tornava livres as crianças nascidas
de mulheres escravas. Consequência de pressões nacional e internacional,
ela foi sancionada em um momento em que o Brasil ainda registrava um
significativo número de escravizados.
Os motivos que levaram o Governo
Imperial a se empenhar em registrar os dados censitários da população da
época são, até hoje, motivo de debate entre especialistas. Em 1885 foi
promulgada a Lei dos Sexagenários, tornando libertos os escravos com
mais de 60 anos. A Abolição da Escravatura ocorreu somente em 1888.O
Brasil foi o último país a decretar a abolição.
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