EXPOSIÇÃO "ÁFRICA: OLHARES CURIOSOS", Hilton Silva

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Seminário aponta estratégias de ação para os quilombos

Seminário Quilombo Vivo. Tema: promover e proteger o patrimônio cultural quilombola (REQ. 82/11, Fátima Bezerra, Luís Alberto e Vicentinho)
Foto: Leonardo Prado
“Financiamento, descentralização e implementação de políticas públicas culturais para as comunidades quilombolas, com participação e controle social”. Este foi o tema do painel de encerramento do seminário Quilombo Vivo – Promover e Proteger o Patrimônio Cultural Quilombola, realizado, em Brasília, pela Fundação Cultural Palmares, em parceria com a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados.

O tema apresentado foi discutido por Bernardo Machado, diretor de Programas Integrados da Secretaria de Articulação Institucional do Ministério da Cultura; Hirton de Macedo Fernandes Jr., coordenador do Centro de Culturas Populares da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e Aniceto Cantanhede Filho, doutor em Antropologia e professor da Universidade Federal do Maranhão.   
Pesquisador dos quilombos maranhenses Alcântara e Codó, entre outros, Aniceto Cantanhede destaca em seus estudos referências expressivas, desde objetos de uso cotidiano, como o pilão, às manifestações religiosas. Segundo ele, após a abolição dos escravos, a opressão passou a ocorrer pelo mecanismo da exclusão da terra, mantendo entre os negros o movimento de resistência. “Essa resistência, que muitas vezes consiste em um segredo de uma comunidade, não costuma ser vista como patrimônio cultural”, disse o antropólogo.   
Nos quilombos, Cantanhede observa ainda que existem regras jurídicas específicas, uma organização social peculiar e reciprocidades com implicações territoriais. “O patrimônio é comum e não pode ser retalhado, pois quando você ‘mexe’ com um item, ‘mexerá’ com todos. O conhecimento tradicional quilombola precisa ser visto como patrimônio que não pode ser varrido do mapa”, enfatizou.   
Outro aspecto comum entre as comunidades é a relação com o meio ambiente. De acordo com o pesquisador, é de cada grupo ter suas reservas ambientais naturais sem, necessariamente, ter que lidar com a legislação. A própria religião tem relação com isso. Elementos míticos regulam e protegem o ambiente natural e a comunidade, ao proteger o ambiente, preserva os seus mitos. Assim, a integração com a natureza evita a degradação, tanto do grupo quanto da própria natureza.   
Defendendo a ideia de que a visão de patrimônio como algo cristalizado pode dificultar a percepção de que é possível incorporar novas formas de representação, Aniceto Cantanhede lembrou que a proteção do patrimônio cultural quilombola só é viável, garantindo-se a manutenção dos territórios.   
Estratégias de ação – Os marcos legais e referenciais do papel do Estado na questão racial foram colocados em discussão pelo coordenador do Centro de Culturas Populares da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, Hirton Fernandes, especialmente os que dizem respeito à promoção e proteção patrimonial, que estão previstos na Constituição Brasileira, no Estatuto da Igualdade Racial e no Plano Nacional de Cultura. Ele também lembrou a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, realizada pela Unesco em 2005 e ratificada pelo Brasil por meio de decreto legislativo no ano seguinte: “É um documento tão importante que apenas dois países não o assinaram, Estados Unidos e Israel”.   
Para Hirton, está na hora de chegar aos seminários não mais com propostas, e sim com projetos. “É preciso construir estratégias de ação. Nesse sentido, a Secretaria de Cultura da Bahia deu início em 2011 a algumas mudanças, criando, em maio, o Centro de Culturas Populares”, destacou. Outra importante iniciativa foi a criação da Lei Orgânica da Cultura, mas a de maior destaque no painel do Seminário refere-se ao financiamento de projetos. “Pensando nas comunidades de tradição oral como os indígenas, quilombolas e religiosos de matriz africana, a Secretaria está simplificando os editais voltados a essas comunidades. Mesmo sabendo que são instrumentos e não políticas públicas, acreditamos que os editais são necessários no momento, para contemplar esses segmentos”, informou.   
Na oportunidade, Hirton Fernandes anunciou a realização das Conferências Setoriais nas áreas de cultura afro-brasileira, culturas populares, índigena e cigana, no início de novembro na Bahia. Os eventos são uma preparação para a 4ª Conferência Estadual de Cultura, que será realizada de 30 de novembro a 3 de dezembro, na cidade de Vitória da Conquista.   
Consulta pública – Encerrando as apresentações do evento, o painelista Bernardo Machado, da Secretaria de Articulação Institucional/MinC, falou sobre a importância dos Conselhos de Políticas Públicas e dos movimentos negros, que ganharam força nas últimas décadas. No âmbito da Cultura, sugeriu aos participantes que, junto com suas comunidades, não percam de vista a representação da cultura afro-brasileira no Conselho Nacional de Políticas Culturais, pois a ela cabe a elaboração de planos setoriais.   
Entre os desafios enfrentados pelo Governo Federal nos últimos oito anos, o diretor de Programas Integrados do MinC citou a distância entre o sistema legal e as práticas da população, especificamente a dificuldade de as manifestações tradicionais se adaptarem a uma legislação que foi feita para a elite. Bernardo Machado aproveitar para informar que, no dia 21 de setembro, o Ministério da Cultura lançará uma consulta pública sobre as metas do Plano Nacional de Cultura e convocou a participação do público como forma de fortalecer as políticas públicas para a população afro-brasileira.   
Manifesto – Ao final do seminário, os quilombolas participantes entregaram ao diretor do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro, Alexandro Reis, um documento contendo oito requisições, entre as quais estão: a criação de um conselho quilombola e de um prêmio para personalidades quilombolas, assim como a realização de projetos emergenciais nas áreas de quilombos em conflito.

Por Jacqueline Freitas   

Nenhum comentário:

Postar um comentário