EXPOSIÇÃO "ÁFRICA: OLHARES CURIOSOS", Hilton Silva

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Entrevista com a professora Lília Melo, vencedora do Prêmio Professores/as do Brasil 2018 com o projeto "Juventude negra periférica - do extermínio ao protagonismo"

É do Pará a professora vencedora da edição deste ano do Prêmio Professores/as do Brasil / Ensino Médio. Seu nome é Lília Cristiane Barbosa de Melo, da Escola Estadual Brigadeiro Fontenelle, que está localizada no bairro da Terra Firme, considerada "zona vermelha" da cidade de Belém.
E por se falar em "zona vermelha", considerando os preconceitos que o termo evoca, que limita a conclusão como espaço urbano sitiado pela violência, influência do tráfico e carências, para muitos ainda é difícil compreender que uma escola pública pode ser cenário de uma ousada iniciativa pedagógica de poder da juventude negra e periférica. Talvez, para muitos, fosse mais aceitável ver um noticiário da imprensa contando sobre um caso de depredação, briga entre estudantes ou ameaça aos professores. Assim os apresentadores de TV falariam alto que está tudo errado. Conservadores diriam que bom mesmo era quando se "cantava o Hino Nacional" e se fazia tabuada. Oportunistas de ocasião reclamariam por uma escola sem partido, a fim de resolução de todos os problemas.
Mas, contrariando esse roteiro, a escola estadual Brigadeiro Fontenelle viu nascer uma experiência inovadora e exemplar. Como canta Emicida, "Ceis esperava que eu roubasse tudo, menos a cena". Deste modo, após a tragédia da chacina de 2014, quando vários jovens do bairro foram mortos na guerra entre polícia, milícia e traficantes, propôs-se na escola o projeto de afirmação da força da juventude - "do extermínio ao protagonismo".

A COPIR entrevista a professora idealizadora do projeto Lília Melo, no dia (11 de dezembro) que ela embarca de Belém para Brasília para receber da Presidência da República a medalha de honra ao mérito educativo. O prêmio do Ministério da Educação foi entregue na semana passada na cidade do Rio de Janeiro/RJ.

COPIR - 1. A iniciativa do projeto "Terra Firme: Juventude Negra Periférica - Do Extermínio ao Protagonismo" nasceu do fatídico episódio da chacina que vitimou jovens do bairro em 2014. De que forma a Escola Brigadeiro Fontenelle foi impactada com o ocorrido e como surgiu a ideia de transformar o luto em luta?
Lília Melo: Em 2014 eu já trabalhava com a pedagogia de projetos, mas em uma temática que não era tão relevante para comunidade escolar.  Na época, trabalhava com lendas amazônicas que tinham as suas ações muito bem recebidas pelos alunos e alunas, porém a chacina de novembro de 2014 esvaziou tais ações do projeto, revelando a necessidade de uma nova perspectiva, já que enfrentamos um desinteresse visível por parte desses alunos e dessas alunas. Senti a necessidade de mudar, imediatamente, de temática!
Em janeiro de 2015, comecei a fazer uma pesquisa acerca de como as periferias de outros estados atuavam na intervenção da realidade de sua comunidade. Conheci  três grandes projetos que até hoje são referências para nossas ações: a Cooperifa, com Sérgio Vaz (SP), o projeto Proceder, com Mano Teko (RJ) e o projeto Blacktude com Nelson Maca (BA). A partir desse mapeamento nacional, fiz um levantamento das atuações dos coletivos culturais no bairro da Terra Firme. O Ponto de Memória da Terra Firme, na figura da professora Helena Quadros, foi um importante suporte teórico nessa construção.

COPIR - 2. Como se dá a participação da comunidade escolar (mães, pais, estudantes, vizinhos, profissionais da escola) no Projeto?
Lília Melo: A comunidade escolar se envolve a partir do momento em que sincronizamos as agendas, proporcionando as ações coletivas. Construindo uma rede de comunicação entre a escola e os coletivos culturais do bairro. Dessa forma, dissolvemos os muros que antes estabeleciam o afastamento da escola com sua comunidade externa. Sabemos que a escola é uma instituição reconhecida, consagrada, enquanto instância que forma indivíduos críticos, ou pelo menos deveria... Mas ela não é a única referência de formação de indivíduos. Nós temos igreja, família, a rua e os coletivos culturais que são outras instâncias que tem um papel fundamental na formação desses indivíduos e na intervenção da sua realidade sócio-política-econômica que formam tanto quanto, se não mais!

COPIR - 3. Geralmente, projetos, sobretudo na questão da diversidade, geram resistências de gestão superior e desinteresse de colegas, que consideram o "aumento de gastos e trabalho". Isto afeta muitos professores e muitas professoras que tem ideias legais, mas, para não se indisporem, optam em guardar seus planos. A senhora gostaria de comentar como foi a relação na sua escola? Qual a dica que a senhora pode compartilhar com quem deseja desenvolver um projeto sobre igualdade étnico-racial na escola?
Lília Melo: Um projeto com tal desdobramento, de fato, enfrenta grande resistência por parte de todos os segmentos da escola. Seja o pedagógico, o da direção, o de pais e mães de alunos e até dos próprios alunos.
Muitas vezes fui questionada: O que essa professora de língua portuguesa está fazendo com esses alunxs na rua tocando tambor? Por que ela não vai para dentro de sala de aula ministrar aulas de redação ou concordância verbal e nominal? Principalmente no que diz respeito à formação para o Enem que tem toda uma pressão das turmas de 3º ano que já estão mais concentradas para realização da prova. Isso é um grande desafio a ser enfrentado. Porém, na medida em que o projeto vai transformando a vida desses alunos e dessas alunas de maneira positiva e produtiva dentro das suas casas, na rua e na escola, constrói-se a credibilidade no projeto. Então, essa resistência até existe ao longo de todo o processo. Mas ela não é, de forma alguma, impossível de ser combatida, dissolvida e até mesmo transformada em credibilidade e parceria.

COPIR - 4. Ocorreram mudanças no cotidiano escolar? Quais? Como verificou-se o impacto do projeto na vida da comunidade escolar?
Lília Melo: A principal mudança que se tem é do fluxo de atividades e de pessoas  nos dias não letivos. As oficinas aconteceram predominantemente, nos dias de sábado e nós contávamos com pessoas que não estavam ali para assinar a lista de frequência e/ou para ganhar pontuação extra em alguma avaliação. Esses/as alunos/as se transformaram em um coletivo mesmo, com ações e interesses em comum.
O Bloco Firme, por exemplo, que é um resultado das oficinas de tambor ministradas pelo Coletivo Casa Preta, chegou a se apresentar no Hangar ao lado de artistas consagrados como Rafael Lima e Nilson Chaves. Futuramente, gravamos o clipe do Rafael Lima no canal do Tucunduba captando imagens do alto, usando um drone do IFPA. Algo significativo para as ruas  de uma periferia. Outra mudança recente, foi a recepção dos grupos de MC's.
Fizemos uma releitura do funk e do Rap, estilos de músicas bastante criminalizados pelas escolas, que agora trabalhamos com letras extremamente politizadas de autores do bairro (alguns até alunos da escola). É um material didático fantástico para as aulas e para emancipação dessa juventude negra periférica.

COPIR - 5. Como a senhora pensa que essa experiência de ser premiada como "Professora do Brasil" pode contribuir para que mais experiências como a da sua escola se espalhem pelo estado? Como a senhora pensa que a SEDUC poderia contribuir com iniciativa como essas?
Lília Melo: Receber uma premiação da maior instância na área de educação, como é o caso do MEC, valida e traz maior credibilidade para nossas ações. Esse título de “Melhor Professora do Brasil 2018” comprova de que estamos no caminho certo. Acredito que o suporte que a Seduc-PA possa dar é justamente no reconhecimento e valorização desse trabalho que é diferenciado, justamente pelo desafio de agregar tantos segmentos distintos, abrindo portas para as outras escolas da rede estadual de ensino, situadas em outros bairros periféricos, talvez até de outros municípios, proporcionando a reverberação dessa polifonia sociocultural das produções da juventude Negra periférica em todo o Estado do Pará.






















Por Prof. Tony Vilhena
Fotos: Profa. Lília Melo

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