Conectadas pelas redes sociais, elas formam um novo movimento
contra o racismo. Conheça as histórias de mulheres negras bem-sucedidas,
que lidam com o preconceito desde que nasceram

Além de Mylene, apresentamos a seguir as histórias da jornalista e consulesa da França em São Paulo Alexandra Loras; da filósofa Djamila Ribeiro; das advogadas Zilá Ferreira e Mayara de Souza; da cantora Yzalú; e da estudante e ativista Stephanie Ribeiro. Todas têm casos de intolerância para contar. “Juntas, enxergamos que todas nós, mulheres intelectuais, antes de nos conhecermos, estávamos sozinhas em universos monocromos brancos. Não tínhamos amigas negras”, explica a francesa Alexandra Loras. “Estamos nos unindo, nos conhecendo e promovendo iniciativas para as mulheres negras terem voz.”
Segundo Eunice Prudente, professora doutora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o Brasil ainda vive os papéis sociais formados antes do século 19: o homem negro no estereótipo de homem sexualmente hiperativo, violento e pouco inteligente, com a função de “carregar o piano”, e a negra exercendo funções manuais pesadas, e também hiperssexualizada. Para a professora, falta investir em educação e no ensino de história africana para todos. “Respeitamos o que conhecemos”, diz. “Pelo forte conteúdo afro na cultura brasileira e pelo tamanho da população afrodescendente, isso deveria ser mais cuidada”, diz. Alexandra atesta: “Precisamos acabar com os clichês. Precisamos ver nas novelas juízas negras, governadoras e não apenas a mulher serviçal, submissa e inferiorizada. Precisamos mudar”.
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O doce desafio de reinventar-se
Alexandra Loras, 39 anos: a ex-apresentadora de TV e esposa de um diplomata francês encontrou no Brasil um espaço propício para defender os direitos das mulheres negras

Leia a entrevista aqui!
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Defensora dos trabalhadores
Mylene Ramos, 51 anos: juíza se inspira na história dos pais para melhorar a vida de trabalhadores e minorias

Com bolsa de estudos parcial e trabalhando em bicos, a menina nascida no bairro de Campo Grande, Zona Sul de São Paulo, formou-se advogada. Prestou vários concursos até alcançar o posto de juíza do trabalho, em 1994. Entre 1997 e 1999 fez mestrados nas faculdades de direito das universidades de Columbia e Stanford (EUA). Hoje é juíza diretora do Fórum Trabalhista da Zona Sul de São Paulo e se destaca em casos de discriminação, trabalho escravo e acidentes de trabalho.
O que mais inspirou Mylene a buscar essa área foram as injustiças sofridas por seus pais. A mãe, doméstica, trabalhava de domingo a domingo. O pai era mecânico de máquinas pesadas e teve um derrame aos 36 anos, após passar dias trabalhando sem descanso nas obras do metrô de São Paulo. “Sabia que poderia desenvolver um bom trabalho por causa da minha experiência pessoal”, diz.
Ser uma autoridade pública não poupa Mylene de passar por situações discriminatórias. Ela conta que é comum ser ignorada em restaurantes ou lojas, ou ainda que um vendedor insinue que ela não teria dinheiro para comprar um produto. Nada disso a abala. “O negro tem de se fortalecer e não abaixar a cabeça. Podemos ser o que quisermos”, diz.
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Militância de berço
Djamila Ribeiro, 36 anos: filósofa faz a diferença na Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, levando atendimento para populações vulneráveis

Em maio deste ano, tornou-se secretária adjunta de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo. Desde criança Djamila enfrentou situações de racismo, como colegas de escola evitarem dançar com ela na festa junina e meninas do bairro impedirem-na de brincar porque as bonecas eram brancas. “Criança negra lida com racismo desde muito cedo”, diz.
Entre as ações da Secretaria, ela destaca a implantação de Centros de Cidadania LGBT e do Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes e o atendimento a mães cujos filhos foram mortos por ações policiais. Djamila ainda vive situações embaraçosas, quando as pessoas demoram a entender que ela é a secretária esperada para uma reunião. “Isso mostra o quanto temos de evoluir”, afirma.
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Espaço garantido
Zilá Ferreira, 36 anos: ela advoga em favor de oportunidades reais para a parcela negra da sociedade

Ela também defende a participação negra na moda. Foi uma das organizadoras do desfile-protesto contra a ausência de modelos afrodescendentes nas passarelas da São Paulo Fashion Week, em 2007, que originou um Termo de Ajuste de Conduta para o evento cumprir cotas raciais.
Há dois anos, Zilá trabalha com Alexandra Loras, até agosto consulesa da França em São Paulo. “Ela transcendeu seu cargo, tem voz e espaço em lugar onde muita mulher nem imagina chegar. Porque sofreu aqui situações piores do que no exterior, e trata esse tema – que incomoda – de uma forma muito elegante.”
A própria Zilá viveu a agressividade do racismo quando trabalhava em uma grande multinacional. Enviada para dar treinamento na Bahia, de início surpreendeu por ser mulher, negra e ocupar aquele cargo. Mas o verdadeiro choque aconteceu ao ouvir os gritos de um funcionário de alto nível hierárquico, que se recusava a fazer o treinamento com ela: “Sua macaca, saia daqui com as suas macaquices”. Zilá reportou o ocorrido ao escritório de São Paulo e abriu um boletim de ocorrência. “Ele foi demitido e eu fui convidada para participar da diretoria. Uma postura louvável da empresa. Ninguém é obrigado a não ser racista, mas as pessoas precisam ser educadas.”
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Porta-voz das injustiças
Yzalú, 33 anos: cantora dá voz às discriminações sofridas pelas mulheres negras

Mas Yzalú, nascida em uma família humilde de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, estava habituada a superar obstáculos. Um problema congênito fez com que sua perna não se desenvolvesse e ela precisasse usar prótese desde criança. A mãe se desdobrava em mais de um emprego para sustentar sozinha a moça e o irmão. Formada em marketing na Faculdade Metodista, Yzalú dedicou-se ao trabalho, mas percebeu que, para ascender, demoraria muito mais tempo do que os colegas. “Não havia nenhuma mulher negra em cargos executivos na empresa”, diz.
Depois de oito anos de multinacional, decidiu seguir sua paixão: a música. Lançou em março deste ano seu primeiro disco, Minha Bossa É Treta, em um estilo que define como música periférica brasileira, que inova ao unir o violão ao rap e leva a influência de jazz, samba, afrobeat e MPB. A letra de “Mulheres Negras”, que Yzalú lançou em 2012 e se tornou um divisor de águas na sua carreira, é uma bandeira feminista e antirracista: “Não fomos vencidas pela anulação social / Sobrevivemos à ausência na novela, no comercial / O sistema pode até me transformar em empregada / Mas não pode me fazer raciocinar como criada”.
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Sem medo de enfrentamento
Stephanie Ribeiro, 23 anos: ativista com 30 mil seguidores e aluna de arquitetura, ela denuncia a discriminação e ganha notoriedade na internet

Stephanie não vem tendo uma experiência boa na universidade. “Sempre me senti isolada. Como bolsista do Prouni, recebo tratamento diferenciado”, diz. Depois do episódio da vaga, ela denuncia no Facebook casos de discriminação. Seus relatos ganharam repercussão, o que incomodou gente dentro e fora da faculdade. “Picharam meu armário e recebi mensagens anônimas como ‘preta fedida, volta para a África’”, afirma.
Já ouviu que merecia apanhar, por defender uma colega acusada de provocar uma briga entre dois rapazes. E porque negros “cheiram mal”. Um colega perguntou se aceitavam macacos para estágio. Stephanie denunciou as agressões à faculdade, que abriu uma sindicância, considerada “inconclusiva”.
Cursando o último ano, Stephanie superou os problemas de baixa autoestima do passado, pensa em seguir nos estudos e prepara um livro de ficção. “A violência psicológica contra os negros não é muito considerada no Brasil”, afirma.
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Resgate pela poesia
Mayara Silva de Souza, 23 anos: a advogada e poeta trabalha pela autoestima de meninas e quer que as conquistas das mulheres negras sejam vistas como algo normal

Hoje, aos 23 anos, além de poeta e ativista social, Mayara é bacharel em direito, com título da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). E também gestora e conselheira do Plano de Menina, projeto para empoderar crianças das comunidades do Grajaú (onde cresceu e mora até hoje) e do Capão Redondo, em São Paulo.
Toda a dedicação é para que as conquistas das mulheres negras deixem de ser vistas como um feito extraordinário. “Quando digo que sou advogada, escuto uma interjeição de surpresa. Quantas amigas brancas são advogadas e ninguém se surpreende? Quero que nosso cabelo e nossa cor deixem de ser polêmica”, diz. E vai mais fundo: “As pessoas precisam entender que, quando estiver bom para a mulher negra, estará bom para todos.”
fonte: Revista Planeta