Com sistemas sociais complexos e uma cultura milenar que transcende o
espaço geográfico, o continente africano possui uma historiografia
própria, extensa e viva. As relações entre o povo africano contemporâneo
e seus ancestrais e divindades dão o tom do espetáculo “O Griot e os
Espíritos da Terra - da Era Cantida aos Dias Atuais”, que utiliza
técnicas do gênero “teatro documental”. A montagem será apresentada hoje
a noite, durante pré-estreia para convidados no teatro do CCBEU, e
segue em cartaz até o próximo domingo, 2.
Neste espetáculo, o Grupo Bambarê - Arte e Cultura Negra, da
Associação dos Filhos e Amigos do Ile Iya Omi Ase Ofá Kare (Afaia), leva
ao palco a saga do povo africano Ngani. “A dramaturgia é pautada por
uma linguagem de metáforas - ora poética, ora racional. O espetáculo nos
remete à historicidade africana, da idade antiga aos dias atuais”, diz
Edson Catendê, diretor da montagem.
Segundo Catendê, a peça surge em forma de conto, com um enredo que se
desenrola em três atos: Idade Cantida - os primórdios da criação do
universo; Idade das luzes - um breve registro da Idade Moderna; e a
Idade dos Chips - a contemporaneidade e a era cibernética com o avanço
tecnológico. “Assim, é possível dar vez e voz aos descendentes africanos
que até hoje são discriminados, oprimidos, menosprezados e ofuscados
pelo discurso do poder”, diz o diretor.
Ele acredita que a montagem pode sensibilizar o expectador para a
relação do homem africano com uma energia interior proveniente da “Mãe
Terra”, refletida nos conhecimentos doutrinários dos chamados Griots,
portadores e precursores da sabedoria milenar de matriz africana,
propagada de geração a geração.
PESQUISA
Ele sintetiza a ideia do espetáculo ao afirmar que o grupo faz uma
abordagem histórica do cotidiano africano a partir de vestígios
antropológicos da tradição oral. “Porém de forma interdisciplinar, lado a
lado com as outras ciências, valorizando as relações comerciais,
econômicas, políticas e religiosas da cultura africana”, diz. “A
intenção é trazer reflexão e assim rever velhos problemas, redimensionar
conceitos e elaborar novas estratégias para o enfrentamento da
discriminação étnico-racial e religiosa em nosso país, a partir do
resgate oportuno de valores éticos e morais, costumes e tradições dos
povos africanos, hoje esquecidos”, conta.
A peça é baseada no conto “Os Espíritos da Terra”, de autoria do
próprio Edson Catendê, com a colaboração de Jane Patrícia e Mara Jucá,
inspirado nos valores civilizatórios africanos. “Esta obra apresenta o
Griot como portador de conhecimentos milenares, mantenedores da memória
viva do seu povo, que oferta as suas energias paras os novos, e assim
faz nascer um novo Griot em cada canto, em cada lugarejo. Pois os
Espíritos da Terra nunca morrem”, finaliza.
O espetáculo foi vencedor do II Prêmio Nacional de Expressões
Culturais Afro Brasileiras, promovido pelo Ministério da Cultura com o
patrocínio da Petrobras S/A.
(Diário do Pará)
Nenhum comentário:
Postar um comentário