Na sala de aula, os alunos aprendem a respeitar o próximo,
independentemente de sexo, cor ou religião, conhecem uma nova língua – o
yorubá, de origem africana–, descobrem como os povos do Togo e de Gana
(que falam esse idioma) respeitam a natureza e têm contato com seus
mitos e ervas. Atividades como essas poderiam ser aplicadas às aulas de
ensino religioso para ensinar, por exemplo, o candomblé.
Quem aponta esta perspectiva é Stela Guedes Caputo, autora do livro Educação nos Terreiros – e como a escola se relaciona com as crianças de candomblé,
que está sendo lançado esta semana em Salvador em meio a uma série de
debates gratuitos sobre discriminação e intolerância religiosa nas
escolas.
No livro – fruto da tese de doutorado defendida em 2005 –, Caputo
mostra a relação entre as escolas da rede pública da Baixada Fluminense,
no Rio de Janeiro, e as crianças que praticam o candomblé. Para ela, a
religião, assim como diferentes espaços e lugares, tanto quanto o cinema
ou o teatro, são ambientes de aprendizado.
“O candomblé ensina as
pessoas a não serem racistas, preconceituosas, a não desprezar, nem
desrespeitar alguém por conta de suas relações ou orientações sexuais.”
Os terreiros, diz, estimulam as crianças a respeitar as diferenças e
são considerados “redes educativas”. “O candomblé ensina as pessoas a
não serem racistas, preconceituosas, a não desprezar, nem desrespeitar
alguém por conta de suas relações ou orientações sexuais. Ajuda as
crianças e os jovens, sobretudo os negros, a obterem conhecimentos
relacionados a comidas, ervas, história, vestimentas e danças”, afirma.
Segundo a autora, as escolas públicas acabam não conseguindo combater o
preconceito religioso, principalmente por conta da intolerância. “Na
escola, mais importante do que aprender física ou matemática, é aprender
a não ser racista”.
Caputo é professora da Faculdade de Educação da Uerj (Universidade do
Estado do Rio de Janeiro) e estuda o tema desde 1992. Na época,
trabalhou como repórter e escreveu, para o jornal O Dia, a
reportagem Os netos-de-santo, mostrando as crianças que desempenhavam
funções consideradas de adultos no candomblé. “Nos terreiros, muitas
crianças desempenham funções específicas, recebem cargos na hierarquia e
manifestam orgulho de sua religião. Enquanto na escola, elas são
invisibilizadas e silenciadas”, diz.
Segundo ela, essa invisibilidade e esse silêncio aumentaram a partir
da aprovação da lei estadual 3459/00, em 2000, que estabelece que as
aulas de ensino religioso ficam divididas por credo, são facultativas e
incorporam o currículo normal das escolas públicas, desde a educação
infantil até o ensino médio. “Com a lei, muitas crianças, mesmo
pertencentes ao candomblé, afirmam ser católicas.”
“É preciso trabalhar os
aspectos culturais de todas as religiões, do judaísmo ao islamismo, do
espiritismo ao catolicismo, das religiões neopentecostais às
afro-brasileiras.”
Para costurar a relação entre a prática do candomblé e a vida escolar
das crianças, durante os anos de pesquisa, Caputo acompanhou grupos de
estudantes, consultou especialistas, conversou com familiares das
crianças e com mães e pais-de-santo. “No livro, partilho um pouco do que
me ensinaram nas casas de candomblé, tanto as crianças e jovens como
suas famílias. Partilho também o que vi de discriminação e racismo nas
escolas”.
A discriminação, aponta ela, vem, sobretudo, da ação pedagógica
deseducativa que ainda faz parte da diversidade religiosa nas salas de
aula, na maioria das vezes, fragmentado ao ensino do catolicismo. “É
preciso trabalhar os aspectos culturais de todas as religiões, do
judaísmo ao islamismo, do espiritismo ao catolicismo, das religiões
neopentecostais às afro-brasileiras.”
De acordo com ela, o candomblé vem sendo trabalhado por meio de
iniciativas muito isoladas de alguns professores das escolas públicas do
Rio de Janeiro, sobretudo por conta da obrigatoriedade do ensino de
história e cultura afro-brasileira no currículo. É o caso da Escola
Técnica Estadual Oscar Tenório, na zona norte, que criou o projeto Malungo,
em que desenvolve atividades e apresentações pelos alunos com foco na
reeducação das relações étnico-raciais e combate o racismo e a
desigualdade racial e social dentro e fora da escola.
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