Desde 1969, o Brasil aderiu
a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial (ONU, 1965) firmando o compromisso de repudiar os
preconceitos de raça. Tal comprometimento está reafirmado na Constituição
Federal de 1988 que ressaltou no art. 3º, IV,como objetivo fundamental da
República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, fixando no art. 5º,
XLII que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.
Apesar do empenho das
instituições públicas e dos movimentos sociais pela igualdade racial, o
racismo, a discriminação e a intolerância racial continuam sendo uma realidade
cruel no cotidiano de muitos seres humanos, causando sofrimentos, desvantagens
e muitas vezes violências que precisam ser combatidos.
O Estatuto da Igualdade
Racial (Lei n. 12.288/2010) define a discriminação racial ou étnica racial como
“toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor,
descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou
restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de
direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico,
social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada” (art.
1º, inciso I) e determina que é dever do Estado e da sociedade garantir,
independente da cor da pele ou da etnia, a igualdade de oportunidades nas
atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e
esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais
(art. 2º).
A Lei fixa como diretriz
político-jurídica do Estado a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial,
a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional
brasileira (art.3º), assegurando às vítimas de discriminação étnica o acesso a
Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário para garantia
do cumprimento de seus direitos (art. 52). Enquanto crime, o racismo está
previsto na Lei nº 7.716/89, considerada um marco na garantia de direitos
fundamentais da população negra, população mais afetada pelo racismo.
Esta Lei define os crimes
resultantes de preconceito de raça, de cor, de descendência ou origem nacional
ou étnica, listando uma série de condutas passíveis de punição, tais como:
impedir, obstar ou realizar tratamento diferenciado no ambiente de trabalho,
seja em cargo ou emprego público ou em empresa privada; recusar ou impedir
o acesso em estabelecimentos comerciais, tais como hotéis, pousadas,
restaurantes, bares ou locais semelhantes abertos ao público; estabelecimentos
esportivos, casas de diversões ou clubes sociais, negando-se a servir, atender
ou receber cliente ou comprador; recusar, negar ou impedir a inscrição ou
ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer
grau; impedir o
acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores
ou escada de acesso aos mesmos.
A incitação à discriminação
ou ao preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional também
é punida com prisão, destacando-se a divulgação de propaganda em favor do
nazismo, que sustentava a existência de uma raça pura (branca) superior a todas
as demais.
A Defensoria Pública do
Estado do Pará, por meio do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos e Ações
Estratégicas (NDDH), atua de forma incisiva no enfrentamento da intolerância
racial, seja na participação de conselhos e comitês definidores das políticas
públicas protetivas e inclusivas, seja prestando assistência jurídica integral
e gratuita a pessoas e grupos de pessoas que sofreram violação de seus
direitos, ou ainda, na atuação coletiva em defesa da igualdade de todos perante
a Lei e na educação em direitos para empoderamento dessa população vulnerável.
A coordenadora do NDDH,
Juliana Oliveira, relatou com preocupação ter percebido um recrudescimento na
intolerância racial, especialmente em relação às religiões de matriz africana e
casos de injúria racial. “Por desconhecimento do diferente, a incompreensão em
relação às religiões de matrizes africanas têm ocasionado diversos episódios de
violência contra seus praticantes e seus locais sagrados. Hoje, muitas dessas
pessoas estão tendo seu direito à liberdade religiosa, tolhido ou restringido.
Notamos, também, que a utilização da cor, da raça ou da etnia como critério de
desvalor ainda persiste na cultura brasileira, muitas vezes, de forma
subliminar como piadas supostamente inocentes ou estereótipos
desqualificadores, mas em inúmeros casos de forma verbalmente violenta para
provocar o sentimento de inferioridade na vítima.”
A Defensora Pública explicou
que a questão racial não é algo simples ou fácil de ser compreendido ou
enfrentado, pois cada raça ou etnia possui peculiaridades específicas que
interferem na estratégia de atuação. “Para que esta atuação não se torne também
uma violação de direitos”, disse ela “é importante observar o “lugar de fala”,
que permite que a pessoa que sofre o preconceito diga por si mesma qual a forma
de sua reparação, protagonizando sua própria luta”, pontuou.
Entre os casos mais
recentes, está o que aconteceu em Natal, no Rio Grande do Norte, quando uma mãe
fantasiou o filho de escravo para participação em uma festa escolar. As fotos que
foram publicadas na rede social Instagram causaram um grande impacto, gerando,
comentários negativos e mostrando que o racismo está bem próximo de nós.
Acerca do aumento do número
de denúncias de casos de intolerância racial, a Defensora Pública relatou que a
Defensoria Pública do Estado está preparada para recepcionar essa demanda e
espera que a atuação conjunta entre os diversos órgãos do sistema de justiça e
os movimentos sociais possa reduzir drasticamente essa violação de direitos
humanos.
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