Livro Caçadas de Pedrinho está sob mandado de segurança
As
histórias infantis de Monteiro Lobato estão dando o que falar. E não é
porque são grandes clássicos da literatura. O tema em pauta é o racismo.
Em 2010, a obra Caçadas de Pedrinho foi acusada de possuir teor
racista pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que recomendou que o
livro não fosse distribuído pelo governo nas escolas públicas.
Posteriormente, a relatora do caso voltou atrás e decidiu que cada
professor deveria dar explicações sobre o preconceito presente no livro
para os alunos. Depois disso, o Instituto de Advocacia Racial e
Ambiental (Iara) junto com o mestre em educação Antonio Gomes da Costa
Neto entraram com um mandado de segurança contra o livro Caçadas de Pedrinho
e contra o relatório do CNE. O embate pode estar prestes a acabar, já
que há uma reunião de conciliação marcada para setembro pelo Supremo
Tribunal Federal (STF).
A discriminação estaria presente, entre outras passagens, no
tratamento da personagem Tia Nastácia e de animais como o macaco e o
urubu. Uma das frases do livro diz: "Tia Nastácia, esquecida dos seus
numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão". O livro Caçadas de Pedrinho
retrata o momento em que o Marquês de Rabicó encontra uma onça rondando
o Sítio do Picapau Amarelo. Pedrinho, Narizinho, a boneca Emília e
Rabicó decidem caçar o bicho, escondidos de Dona Benta e Tia Anastácia,
que seriam contra a ideia. Durante a expedição, eles conhecem Quindim,
um rinoceronte que fala, e o trazem para viver no sítio.
Mandado de segurança
O caso começou quando Antonio
Gomes da Costa Neto fazia mestrado na Faculdade de Educação da
Universidade de Brasília (UnB). O foco dele estava em políticas públicas
e etnico-raciais. Antonio concluiu que não haviam medidas concretas
para o tratamento de livros que continham passagens racistas. “O livro
estava no programa nacional Biblioteca nas Escolas. Pedimos uma análise
do conselho de educação do DF, mas nada foi feito. É por isso que
levamos o caso para o CNE”, explica. Antonio fez uma análise detalhada
do livro e encontrou 20 passagens contendo racismo.
Antonio Neto esclarece que o objetivo não era que Caçadas de Pedrinho
fosse censurado ou banido. O que eles pediam, mas a Editora Globo não
aceitou, era que a nova edição da obra trouxesse uma explicação sobre
racismo. “Na época que o livro foi escrito, por volta de 1924, racismo
não era crime, mas hoje há lei para isso. A 3ª edição, de 2009, veio de
acordo com a nova ortografia e trouxe explicações sobre legislação
ambiental, já que há uma caça à onça na história que hoje seria
proIbida. Por que, então, não trouxe explicação sobre legislação
racial?”, questiona Antonio. Ele critica também a segunda posição do
CNE: “Essa resolução transfere a responsabilidade para o professor da
educação básica, muitas vezes, sem preparo para lidar com o tema”.
O advogado do caso, Humberto Ademi, explica que “se esse tipo de
pensamento for repetido nas escolas, vai alimentar o racismo no Brasil.
Não é certo o governo financiar obras com conteúdo preconceituoso”. Ele
conta que o ministro da Educação, Fernando Haddad, não homologou a
primeira decisão do Conselho Nacional de Educação, de suspender a obra
das escolas. “O CNE mudou de posição por pressões. Queremos que o livro
não seja financiado com dinheiro público do jeito que está. São quase R$
6 milhões gastos com um livro racista”, comenta o advogado. Por causa
dessas complicações, Antonio Gomes da Costa Neto e o Instituto de
Advocacia Racial e Ambiental (Iara) entraram com um mandado de segurança
contra o livro e contra o relatório do CNE.
Conciliação
A polêmica sobre o livro pode acabar em
setembro, quando haverá uma reunião de conciliação, convocada pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) Vai acontecer no dia 11 de setembro de
2012, às 19h30, no STF uma audiência de conciliação ao mandado de
segurança 30.952 que trata do suposto racismo no livro Caçadas de Pedrinho.
Estarão presentes o Ministro de Estado da Educação, o Advogado-Geral da
União, autoridades do Conselho Nacional de Educação, além de outros
interessados no caso.
Antes da reunião, acontecerá uma série de palestras e fóruns para
debater o caso com especialistas e com a população. O primeiro deles, já
marcado, vai ser em 9 de agosto: uma palestra com Frei David, do
Educafro (Educação para Afrodescendentes e carentes).
Especialistas
Há opiniões divergentes sobre o caso. Em Monteiro Lobato: livro a livro,
Marisa Lajolo e João Luís Ceccantini, fazem uma análise frase a frase
de toda a bibliografia de Lobato. O livro traz também cartas de
leitores, entrevistas e outros elementos para esclarecer a construção de
textos pelo autor. O livro conclui que Monteiro Lobato não colocou teor
racista na obra, mas sim fez reflexões sobre a realidade do Brasil,
usando humor e ironia. “A obra de Lobato não insufla racismo, tampouco
reflete atitudes preconceituosas. Ao contrário, condena-as. Dona Benta
repreende Emília quando falta ao respeito com Tia Nastácia”, exemplifica
Marisa Lajolo, pós-doutora em literatura comparada e professora da
Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade Federal de
Campinas (Unicamp).
Para ela os negros são vistos com carinho na obra: “Tia Nastácia e
Tio Barnabé - negros que figuram como personagens e às vezes
protagonistas da obra infantil lobatiana, são representados com respeito
e afeto”.De acordo com Marisa, as críticas a obra de Monteiro Lobato
ocorre porque ele questionou os valores de seu tempo: “ O extraordinário
valor da obra lobatiana decorre de sua capacidade de retratar - de
forma crítica, divertida e irreverente - o quadro de valores então
vigente. Esta sua independência tem custado ao autor censura de
diferentes segmentos sociais: da igreja católica ao estado novo, mas
Lobato sobrevive!”
Já Regina Dalcastagnè especialista em narrativa brasileira
contemporânea e professora do Departamento de Literatura da UnB
considera Monteiro Lobato um ator racista: “Monteiro Lobato é racista.
Não é uma declaração aqui ou ali, está em toda a obra dele. Não há como
discutir se ele é ou não racista pois é explícito em sua literatura”.
Regina explica que a escritora Ana Maria Gonçalves fez uma análise
profunda da vida do autor por meio das cartas que ele escrevia. Algumas
dessas cartas eram direcionadas ao médico diretor da Sociedade Eugênica
de São Paulo, instituição de 1913 que pregava a eliminação dos negros
por meio do “branqueamento” da população.
“Monteiro Lobato se expressava de modo eufórico a favor da eugenia
(eliminação dos negros e branqueamento do povo). As pessoas não gostam
de admitir que ele era preconceituoso porque construíram uma imagem
fantasiosa desse autor na cabeça, por ser ele criador de obras clássicas
infantis, como Sítio do Picapau Amarelo”, critica Regina. Ela considera
que o Ministério da Educação deve investir dinheiro em outras obras:
“Esse é um livro ultrapassado e preconceituoso. Tem tanta obra mais
moderna e interessante por aí precisando de apoio que seria muito melhor
para as crianças”.
Fonte: Correio Web
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