EXPOSIÇÃO "ÁFRICA: OLHARES CURIOSOS", Hilton Silva

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Accountability e a educação das relações étnico-raciais: do controle social à responsabilização

Por Antonio Gomes da Costa Neto
Mestre em Educação, perito judicial em Educação

Introdução

O direito público subjetivo à Educação Étnico-Racial é muito recente no ordenamento jurídico brasileiro, em especial, nas esferas de ensino federal, estadual, distrital e municipal. Este é um artigo inédito sobre o tema de controle na educação étnico-racial, inclusive objeto de solicitação dos educadores de como é realizado.
Inicialmente, trabalhar-se-á com o conceito de educação étnico-racial como “princípios que norteiam a Educação como uma política pública de Estado de valorização da cultura de origem africana e dos afro-brasileiros” (COSTA NETO, 2010).

Da mesma forma, o direito à Educação, hodiernamente, como direito social, configura-se como obrigação do Estado e direito subjetivo, constituindo-se em barreira que se encontra ainda em fase de consolidação.
Nosso objetivo no presente texto é demonstrar que o direito à Educação, lastreado na educação das relações étnico-raciais, deve ser interpretado de forma a resguardar e valorizar a cultura de origem africana e afro-brasileira.
Como se estabelece o controle, tanto pela sociedade como pelo Estado, no direito à educação étnico-racial nas diversas esferas? Como sua operacionalização se realiza? De que forma é exercido?
Buscaremos demonstrar à luz da legislação já existente como se concretiza esse direito, como acioná-lo, bem como quais os motivos não o levam à efetivação.
Trabalhar-se-á com a proposta de controle (accountability), a fim de demonstrar que a responsabilização se constitui em instrumento eficaz para contribuir para sua efetivação.
A educação étnico-racial encontra amparo na Constituição Federal de 1988 (CF/1988), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e no Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010).
De igual forma, o direito subjetivo à educação está resguardado na CF/1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Lei de Responsabilidade (Lei nº 1.079/50) e na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92).
Aplicam-se para o tema as Leis Caó (Lei nº 7.437/95), de Discriminação no Trabalho (Lei nº 9.029/95), dos Crimes de Tortura (Lei nº 9.455/97), dos Crimes de Preconceito de Raça ou de Cor (Lei nº 9.459/97).
De igual sorte, a normas do Direito Público Financeiro em relação ao cumprimento no que tange à administração pública, conforme definido na Reforma do Estado de 1967 (Decreto-lei nº 200/67), na Lei da Contabilidade Pública (Lei nº 4.320/64) e na Lei das Licitações (Lei nº 8.666/93).
Em relação à educação e ao direito étnico-racial, a legislação internacional recepcionada no ordenamento jurídico brasileiro (art. 5º inciso LXXVII, §§ 2º, 3º e 4º), podemos destacar a Convenção contra a Discriminação no Campo do Ensino e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
Ainda é de se destacar a Lei de Informações (Lei nº 12.527/11) e a Lei da Transparência (Lei Complementar nº 131/09), como afirma Braga (2011), que “rompe paradigmas na determinação da divulgação de forma detalhada de receitas e despesas efetuadas por órgãos e entidades públicas de todas as esferas e poderes”, restando como forte aliado para o exercício do controle.
Existem ainda normas complementares, tais como decretos presidenciais, decretos dos governadores, portarias dos ministérios e das secretarias de Educação, pareceres dos Conselhos de Educação e diversos outros atos administrativos.
Todo esse conjunto de normas tem por objetivo garantir uma educação antirracista e o direito à educação; porém quais os instrumentos à disposição para atender aos anseios da sociedade – e, por via de consequência, a responsabilização?
Demonstrar-se-á que essas atividades de controle podem ser exercidas nas esferas administrativas ou judiciais, importando em dever do Estado como resultado um direito público subjetivo.
Resta-nos observar que a recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186, em relação ao julgamento das cotas da Universidade de Brasília.
No julgamento da ADPF restou consignado no voto da lavra do ministro relator, entre os motivos das ações afirmativas, no caso a reserva de vagas pela universidade, que se “constitui providência adequada e proporcional ao atingimento dos mencionados desideratos”.
Significa que a ação afirmativa é constitucional, todavia o voto condutor destacou que o modelo em questão deverá ter validade; seu posicionamento foi acompanhando pelos votos que se sucederam à manifestação do ministro relator.
Nesse diapasão, a questão da necessidade de valorização da cultura de origem africana e afro-brasileira na Educação se constitui medida importantíssima, eis que se trata de política pública permanente na Educação.
Essa afirmação é destacada pelo ministro Marco Aurélio no julgamento da ADPF 186, quando afirma:
É preciso chegar às ações afirmativas. A neutralidade estatal mostrou-se nesses anos um grande fracasso; é necessário fomentar-se o acesso à Educação; urge implementar programa voltado aos menos favorecidos, a abranger horário integral, de modo a tirar meninos e meninas da rua, dando-lhes condições de ombrear com as demais crianças. O Estado tem enorme responsabilidade nessa área e pode muito bem liberar verbas para os imprescindíveis financiamentos nesse setor. (grifamos).
Essa citação, efetuada pelos eminentes ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, ratifica a importância da educação e das ações afirmativas e tem relevância destacada quando levada como objeto de reparação e instrumento de recuperação dos danos causados pela longevidade que o processo de diáspora forçada do negro para o Brasil.
Veja o Código Civil de 2002, que, em seu artigo 2.045, quando derroga expressamente a parte primeira do Código Comercial de 1850, com a leitura do artigo 2.035 do mesmo diploma legal, consolida os negócios realizados no período da escravidão legal, negando, consequentemente, qualquer tipo de ressarcimento pecuniário aos negros, restando a educação étnico-racial como ação afirmativa.
Assim, buscar-se-á demonstrar neste texto que a educação das relações étnico-raciais constitui-se em medida necessária e permanente, como se operacionaliza esse direito público subjetivo e quais os instrumentos disponíveis ao exercício do controle pela sociedade.

Definindo o controle na educação

Na educação étnico-racial, o controle tem relação direta com as políticas públicas do Estado, ou seja, é o direito público subjetivo a uma educação antirracista, com valorização da cultura de origem africana e afro-brasileira (COSTA NETO, 2010).
Os instrumentos para o exercício regular são definidos a partir do controle social e da atividade de fiscalização e avaliação do Estado no âmbito da Educação nas diversas esferas do ensino.
Buscaremos discorrer de forma distinta entre esses dois modelos no campo da Educação, inicialmente em relação ao controle social, como bem definiu Braga em seu artigo intitulado Controle Social: avanços e perspectivas no cenário brasileiro:
caracteriza-se por um conjunto de ações, individuais ou coletivas, realizadas pela via democrática, de forma a pressionar as políticas desenvolvidas pelos governos, no acompanhamento e controle dessas mesmas políticas, da formulação até a implementação, visando garantir a qualidade na prestação de serviços públicos, a materialização de direitos sociais e a lisura da ação estatal, no atendimento aos interesses da população.
O pesquisador trouxe à baila, de forma pontual, a necessidade do exercício do controle social pelos interessados, nesse passo, tanto por ações individuais ou coletivas, localizando esses atores sociais, inclusive indicando que os mesmos podem solicitar a implementação das políticas públicas de Estado antirracistas.
O chamado accountability vertical, como afirma O’Donnell (1998, p. 28), “são ações realizadas individualmente ou por algum tipo de ações organizadas e/ou coletivas, com referências àqueles que ocupam posições em instituições de Estado, eleitos ou não”.
Por outro lado, a atividade do Estado é aqui compreendida como aquelas relativas à fiscalização e a avaliações das políticas públicas, cujos efeitos sobre os diversos mecanismos de Educação nas suas diversas esferas. No caso, quando o mesmo atua na qualidade de agente de controle da atividade estatal na fiscalização os serviços de Educação e nos estabelecimentos de ensino dos diversos níveis de atuação (federal, estadual, distrital e municipal).
Como já assinalamos em oportunidade anterior (COSTA NETO, 2012a; 2012b), a atividade destinada a fiscalização e avaliação das políticas públicas não tem sido implementada nas estruturas de fiscalização da Educação federal, estadual, distrital e municipal de educação, função que designei como carreira de Estado da Educação:
os integrantes dos quadros funcionais atuantes na Educação Básica e Superior relacionados às atividades típicas do Estado cujas atribuições estejam ligadas as funções de formular, implementar, acompanhar, difundir e avaliar, bem como executar políticas e diretrizes, além dos procedimentos referentes à gestão, assessoramento, direção e de igual forma regulamentar, fiscalizar e promover o fomento no campo da Educação (2012b).
As chamadas atividades-fim da Educação para o controle estatal da atividade típica do Estado é exercida pelos profissionais integrantes do corpo técnico-administrativo (MEC, 1979), uma vez que não se trata de função integrante da função do magistério (atividade-meio), como bem define O’Donnel em seu conceito de accountability horizontal:
A existência de agências estatais que têm o direito e o poder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações, que vão desde a supervisão de rotina a sanções legais ou até o impeachment contra ações ou emissões de outros agentes ou agências do Estado que possam ser qualificadas como delituosas (O’DONNEL, op. cit., p. 40).
Essa divisão sobre o controle no exercício das atividades da Educação tem gerado conflitos quando se tem por objetivo executar a Educação étnico-racial, uma vez que a discussão no campo da rede de ensino circunscreve-se ao aspecto da formação inicial e continuada dos profissionais do magistério.
Por outro lado, o acompanhamento, a avaliação das políticas públicas e a própria fiscalização não têm sido efetivados, uma vez que a ausência de interesse por parte da gestão pública no exercício da atividade estatal tem sido ignorada.
Conhecer os atores sociais responsáveis pelo controle da Educação representa saber a quem se deve dirigir quando necessário, ou seja, quem tem o dever do Estado para as questões étnico-raciais.
Não há como se delegar ao magistério a atividade do monopólio do Estado para o exercício do controle, especialmente quando feita a leitura da Constituição Federal aliada à LDB e à Lei do Fundeb, caracterizando-se como desvio de função.
Nosso objetivo neste texto é reconhecer os pressupostos do controle em relação à Educação, no sentido de “garantir a regular gestão dos recursos públicos e a efetiva utilização em benefício da sociedade” (SERPA, 2011, p. 142).

Controle social na educação étnico-racial

A Educação das relações étnico-raciais pode ser exercida de diversas formas, tanto na forma administrativa como na judicial; neste ensaio buscaremos explorar os meios administrativos, ainda, que façamos alusão ao uso do Judiciário (judicialização).
Inicialmente, buscaremos discorrer sobre o modelo do exercício do controle social de forma individual pelos cidadãos, além dos educadores, que de igual forma podem proceder na esfera administrativa.
Nosso conceito de educador tem como esteio a definição prevista na CF/88, com sua regulamentação na LDB, que estabelece o rol de profissionais integrantes do magistério (professores e pedagogos educacionais), além dos técnicos (gestores, técnicos e apoio escolar).
Todos devem ter acesso à educação étnico-racial como direito público subjetivo, como exercê-lo e de que forma acionar a estrutura de acompanhamento da política pública de Estado.
Nesse tocante, uma das grandes dificuldades encontradas tem relação direta com a questão do currículo e da formação profissional dos educadores para atuarem no cotidiano. Um excelente instrumento primário de controle social se realiza pelo chamado Fórum de Diversidade Étnico-Racial (FDEN), municipal ou estadual; todavia, caso não estruturado, a competência será suprida pelo órgão de Educação dos entes federados.
O FDEN será, em princípio, o local em que a sociedade se manifesta sobre como se encontra o ensino da cultura africana e afro-brasileira e como proponente pela fiscalização e avaliação da política pública para relações étnico-raciais.
Como afirma a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e o Ministério da Educação (MEC), que vislumbra nos fóruns a “função estratégica de acompanhamento e monitoramento da implementação da Lei nº 10.639/03” (SEPPIR, 2009, p. 22), assim definidos:
os Fóruns de Educação de Diversidade Étnico-Racial, formados por representantes do poder público e da sociedade civil, organizados por meio de regimento interno, são grupos constituídos para acompanhar o desenvolvimento das políticas públicas de educação para a diversidade étnico-racial, propondo, discutindo, sugerindo, estimulando e auxiliando a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais (SEPPIR, 2009, p. 44).
Sua inexistência já é um óbice para o controle social; portanto, caso não tenha o respectivo fórum, é salutar que a sociedade assim o solicite nesse passo; inexistente, cumpre ao Estado atuar de forma concreta para sua consecução na Educação.
Partindo do princípio de sua existência, necessário se faz que os mesmos tenham reconhecimento perante as estruturas administrativas do MEC, Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, além das Instituições de Ensino Superior, como legitimados para propor demandas no campo da educação étnico-racial.
Ou seja: os interessados têm como acionar, por meio do fórum, os diversos mecanismos estatais, em especial no que tange à formação inicial e continuada dos educadores e no sistema de fiscalização e avaliação das políticas públicas.
Para melhor compreensão do tema, temos como exemplo a formação continuada, uma vez que o ensino, apesar do disposto na CF/88 de valorização da cultura africana, somente em 2003 teve sua inclusão obrigatória na LDB, destacando ainda que as diretrizes curriculares nacionais somente foram aprovadas em 2004.
Significa, em tese, que os profissionais já integrantes da educação somente a partir de 2004 foram levados a discutir o tema de forma obrigatória; todavia, apesar de diretrizes nacionais, elas deveriam ser recepcionadas nos sistemas estaduais e municipais de ensino.
Ou seja, compete ao FDER requerer a formação continuada junto aos fóruns de formação continuada e no Comitê Gestor do MEC (COSTA NETO, 2011), inclusive solicitando dos mesmos o cumprimento da medida.
O mesmo pode ser efetuado ao Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb (CACSF), que tem competência para solicitar o devido cumprimento dos planos de carreiras dos educadores.
Porém, com as informações colhidas nos FDER, os cidadãos podem de igual forma postular junto aos tribunais de contas, uma vez que, tratando-se de política de Estado, quando não investidos os recursos públicos destinados para esse fim, quando desvirtuado de sua finalidade, é necessária a atuação das cortes de contas e controladorias.
Há ainda a atuação dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, destacando a competência do Ministério Público Federal, das controladorias estaduais e federais, especialmente, quanto houver repasse de recursos Federais do Fundeb para estados e municípios.
Na esfera federal, o controle social encontra-se representado na Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-brasileiros (Cadara), vinculada à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC.
É importante asseverar que a Cadara integra o Fórum Nacional de Educação como titular, além de uma organização não governamental (ONG) como representantes dos movimentos sociais negros, conforme disposto em portaria do MEC, o que significa que os postulados pelos interessados possuem representação.
Há ainda de se destacar o papel essencial dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (NEABs), que têm articulação com os órgãos federais, estaduais, distritais e municipais de Educação e a sociedade em função da sua assistência técnica especializada, assim como em relação aos mecanismos de controle individual, quando houver a indagação direta aos órgãos públicos de controle, aos Conselhos de Educação e ao Conselho Tutelar, sem falar com Conselho Escolar de cada unidade de ensino.
Na esfera jurídica, destacam-se os seguintes mecanismos à disposição da sociedade:
  1. mandado de segurança;
  2. mandado de injunção;
  3. ação popular;
  4. ação civil pública;
  5. ação direta de inconstitucionalidade;
  6. arguição de descumprimento de preceito fundamental;
  7. ação judicial da LDB (PANNUNZIO, 2009).
Não delimitaremos os requisitos das medidas judiciais neste trabalho, pois nosso objetivo é discorrer sobre os instrumentos administrativos à disposição da sociedade junto as instituições de Educação, não podendo deixar de asseverar que as medidas podem judiciais podem ser acionadas tanto pelo Ministério Público como por defensorias públicas e pelo próprio interessado.
De igual forma estão os mecanismos internacionais à disposição da sociedade, tanto no sistema global (ONU) e interamericano (OEA), que podem de devem ser acionados para as questões de educação e da temática étnico-racial.

O controle do Estado na educação étnico-racial

Como já demonstrado, a fiscalização para a educação étnico-racial é desenvolvida pela atividade-fim do Estado, ou melhor, para a função típica do Estado, pelos profissionais técnico-administrativos.
Esse dever-poder da Administração caracteriza-se pela função jurídica imposta ao Estado de cumprir, obrigatoriamente, no interesse de outrem (MELLO, 2010, p.13-14; 2012, p. 83), demonstrando o dever de implementar a educação étnico-racial, buscando dos meios e recursos necessários.
O exercício dessa função deve ser bem compreendido para que não haja dúvida sobre o magistério (atividade-meio) e a fiscalização (atividade-fim) desenvolvida pelos profissionais técnicos no diversos níveis.
Quem nos oferece a resposta de forma explícita é a própria ordem jurídica, quando a LDB, em relação aos recursos do Fundeb, define a remuneração dos integrantes do magistério fora dessa atividade como desvio de função, comprovando, assim, que o magistério não há como ser interpretado como atividade de Estado de fiscalização (atividade-fim).
Esse entendimento está amparado na decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do recurso especial (REsp):
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PERDA. DIREITOS POLÍTICOS. FUNÇÃO PÚBLICA.
A Turma ratificou a decisão do tribunal de origem que, em caso de apelação, condenou professor da rede pública estadual à perda dos seus direitos políticos e da função pública que exercia na época dos fatos pela prática de ato de improbidade administrativa na modalidade dolosa, por ter recebido sua remuneração sem ter exercido suas atividades e sem estar legalmente licenciado de suas funções. Para o Min. Rel., é impossível exercer a função pública quando suspensos os direitos políticos (REsp 1.249.019-GO).
Outro destaque pode ser observado: que as atividades docentes podem ser objeto de terceirização ou publicização, que não envolve poder de Estado, pois não são exclusivas (BRESSER-PEIREIRA, 1997, p. 66), restando definido que o controle da atividade de Estado no seu exercício do poder deve ser efetuado pela área fim.
Essa visão é ratificada na legislação quando permite a terceirização da atividade docente, a autorização à iniciativa privada para o exercício do ensino, em que o Estado deverá exercer a sua função fiscalizadora.
Buscaremos tratar desses instrumentos de controle como características das áreas técnicas responsáveis pela fiscalização e avaliação das políticas públicas em Educação, não havendo dúvidas sobre a existência do controle interno e do controle externo previstos na Constituição inerentes a todos os órgãos da administração pública.
Destaca-se, nesse passo, que, como já ressaltamos em trabalho anterior (COSTA NETO, 2012), não há preocupação com a formação inicial e continuada no campo da fiscalização na esfera da Educação; tanto é verdade que o chamado profuncionário encontra-se ainda em fase de estruturação.
Essa questão da formação inicial e continuada dos agentes públicos responsáveis pela fiscalização e avaliação das políticas públicas étnico-raciais constitui-se em dever permanente:
Os institutos federais, estaduais, de educação profissional e instituições afins deverão incentivar o estabelecimento de programas de pós-graduação e de formação continuada em educação das relações étnico-raciais para seus servidores e educadores da região de sua abrangência (SEPPIR, op. cit., p. 57).
Nesse plano, resta-nos observar que, caso não haja formação inicial e continuada na atividade-fim de controle e avaliação de políticas públicas, não há como reconhecer a viabilidade de uma efetiva implementação.
Essa posição tende a ser pouco estimulada pelos órgãos que atuam na esfera de fiscalização das atividades étnico-raciais, uma vez que, em sua estrutura básica, não possuem quadro próprio de servidores, ficando restrito a cargos comissionados.
O mesmo é repetido nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, porém existe uma solução que pode ser utilizada pelas unidades de controle e avaliação para a educação das relações étnico-raciais.
Conforme afirma Carvalho (2010, p. 232), é “uma função da administração que diz respeito à geração e ao uso de informações relativas às atividades organizacionais, com vistas à detecção de potenciais problemas e desvios, buscando sua correção”.
Nesse contexto, os órgãos administrativos de exercício de controle pelo Estado encontram-se inseridos nas estruturas de controle e avaliações de políticas públicas da Educação.
Na esfera federal há o Ministério da Educação e seus órgãos de assessoramento, tais como o Conselho Nacional de Educação (CNE), a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), a Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-brasileiros (Cadara) e o Comitê Gestor de Formação Profissional.
Há também os conselhos federais de atividades profissionais, uma vez que, por se tratar de atividade que deve ser desempenhada por profissional devidamente qualificado, na sua ausência, cumpre aos órgãos de fiscalização verificar a sua existência. Nas esferas estaduais e distritais, respondem as Secretarias de Educação, os Conselhos de Educação, o Conselho de Acompanhamento do Fundeb, além dos Conselhos de Defesa da População Negra ou de Direitos Humanos.
Todos esses mecanismos encontram-se à disposição da sociedade; nesse ponto, cumpre ao Estado o exercício regular do seu poder de polícia administrativa.

Responsabilização na educação étnico-racial

A ideia de responsabilizar ou atribuir quem transgrediu os seus limites tem relação direta com a prevenção ou punição do agente causador, seja pela prática de ato omissivo ou comissivo, além das práticas de usurpação de autoridade de outrem e do recebimento de vantagem ilícita (O’DONNEL, op. cit., p. 43, 46).
Adrião (2008, p. 781) assevera que o conceito de accountability na Educação tem relação direta com a introdução de “mecanismos que permitam aos usuários e gestores responsabilizar os prestadores de determinado serviço por aquilo que é oferecido à sociedade”.
Nesse sentido, quem nos oferece a resposta é Jamil Cury (2000, p. 21-22), quando se refere ao direito à educação como direito público subjetivo (Constituição Federal, LDB, Estatuto da Criança e do Adolescente); quando sua oferta é feita de forma irregular, em tese, caso comprovada a prática, os autores estariam sujeitos à Lei de Responsabilidade, à Lei de Improbidade Administrativa e ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Todavia, a Reforma do Estado de 1967 (Decreto-Lei nº 200) tem entre seus objetivos fixar os princípios do “planejamento, da coordenação, da descentralização, da delegação de competência e do controle” (COSTA, 2008), restando comprovado no artigo 80, § 2º, desse decreto:
O ordenador de despesa, salvo conivência, não é responsável por prejuízos causados à Fazenda Nacional decorrentes de atos praticados por agente subordinado que exorbitar as ordens recebidas.
Ou seja, pela leitura do texto legal poder-se-ia excluir de responsabilidade o ordenador de despesas ou, mais comumente, o agente político.
Ocorre que as respectivas dotações orçamentárias para a formação inicial e continuada para educação das relações étnico-raciais é componente obrigatório nos orçamento públicos, sujeitando os gestores públicos à responsabilização.
Nesse passo, a própria legislação aponta as providências que devem ser efetuadas pelo ordenador ou agente político quando da leitura da lei de improbidade administrativa e da lei de responsabilidade à luz do direito público subjetivo à Educação.
No Decreto nº 6.755/09 c/c o Decreto nº 7.415/10, que tratam respectivamente da formação dos profissionais do magistério dos gestores, técnicos e apoio escolar, dispõe assim o artigo 3º inciso VIII:
promover a formação de professores na perspectiva da educação integral, dos direitos humanos, da sustentabilidade ambiental e das relações étnico-raciais, com vistas à construção de ambiente escolar inclusivo e cooperativo (grifamos).
Representa que a formação deve ser compreendida também para as instituições de ensino superior em seus cursos de licenciatura e graduação, quando destinados à Educação Básica, além dos cursos de pós-graduação.
Essa necessidade decorre, exatamente, do fato de que o profissional do magistério e técnico que irá atuar na Educação deverá ter em sua formação inicial e continuada, já nos cursos de licenciatura e graduação, educação étnico-racial.
Significa que compete à Administração Pública “a responsabilidade objetiva pela disponibilização de recursos financeiros para fomentar o treinamento dos educadores e, por via de consequência do dispositivo aludido, os gestores públicos sujeitar-se-ão à Lei de Responsabilidade, à Lei de Improbidade Administrativa e às normas gerais do Direito Público Financeiro, quer por ato omissivo ou comissivo” (COSTA NETO, 2011).

Considerações

Buscamos discorrer que a educação das relações étnico-raciais se constitui em direito público subjetivo que não pode sofrer interrupção; enfatizamos que para tal desiderato o ordenamento jurídico brasileiro é explícito. Demonstramos à luz do exercício do controle social, como mecanismo essencial para implementação da política pública antirracista no campo da Educação.
Enfatizamos que o controle social ou accountability vertical é instrumento capaz de iniciar toda cadeia de órgãos responsáveis pela efetivação da política pública. De igual forma, ressaltamos que controle estatal ou accountability horizontal deve ser exercido pelos Estados por meio de seus agentes operacionais, destacando-se a existência dos diversos órgãos que têm por objetivo institucional cumprir o seu dever.
Ampliamos o conceito de responsabilização dos agentes administrativos na esfera educacional e demonstramos que os atos omissivos ou comissivos não podem ser objeto de procrastinação da política pública de Estado para a educação das relações étnico-raciais.
Propomos ao final que a sociedade organizada promova, pelo exercício do controle social, o cumprimento da política antirracista, além dos gestores públicos investidos na função de dever-poder do Estado.
Ressaltamos que a questão da educação étnico-racial, além de política de Estado, é uma política afirmativa e tem de ser de caráter permanente, e seu objetivo é atingir todos os níveis da Educação em suas diversas esferas.
Relembramos que as instituições de ensino superior, tanto públicas como privadas, deverão possuir em seus cursos de licenciatura e bacharelado destinados a profissionais atuantes na Educação Básica e Superior a disciplina de educação das relações étnico-raciais.
Notadamente, em função do racismo (individual, cultural e institucional), somente por meio de mecanismos efetivos de controle (vertical e horizontal) com responsabilização, haver-se-á de se efetivar uma política antirracista de valorização da cultura de origem africana e dos afro-brasileiros.
Como afirmei, a entrada em vigor do Código Civil de 2002 ratificou os contratos firmados no período da escravidão, não havendo mais possibilidades de reparação pecuniária; resta-nos a Educação como instrumento de valorização da cultura de origem africana e como política de ação afirmativa permanente.

Fonte: Fundação CECIERJ

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